sábado, 30 de abril de 2011

TRT da 2ª região – Agente fiscal não tem competência para declarar vínculo empregatício

Em ação anulatória proposta pela Editora Globo S.A., o TRT da 2ª região entende que o auditor fiscal não possui competência para reconhecer vínculo empregatício, decisão essa que compete à JT.

O caso iniciou-se quando um agente da Delegacia Regional do Trabalho de SP multou a empresa Editora Globo em razão de não ter depositado o FGTS de algumas pessoas que recebiam um cartão benefício da empresa.

A Editora, então, entrou com ação anulatória com pedido de liminar em face da Delegacia Regional do Trabalho, suspendendo a multa: "ao decidir pela incidência do FGTS na prestação de serviço, teria enquadrado a relação jurídica de prestação de serviços, fundada no direito civil, em relação de emprego, sem ter, no entanto, competência para tanto".

A juíza Fernanda Zanon Marchetti deferiu a medida liminar requerida, determinando a suspensão da exigibilidade da multa e eventual inscrição da autora na dívida ativa da União, até a prolação de decisão definitiva.

Marcado o julgamento para o último dia 18, a juíza do Trabalho Silvia Helena Serafin Pinheiro entendeu que, embora o auditor fiscal proceda com a verificação do cumprimento das disposições legais e regulamentares, não poderia exigir o recolhimento do FGTS sobre valores disponibilizados pela empresa. "É cediço que o FGTS é devido a partir da relação empregatícia, relação inexistente, até o presente momento, na hipótese dos autos", afirmou.

Assim, a medida liminar concedida foi mantida até o trânsito em julgado da sentença. A causa foi patrocinada pelo escritório Cotrim Advogados Associados.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

___________

PODER JUDICIÁRIO

Justiça do Trabalho

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

76ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

TERMO DE AUDIÊNCIA

PROCESSO nº. 01390-2010-076-02-00-3

Aos 18 dias de abril de 2.011, na sala de audiências desta Vara, por determinação da MM. Juíza do Trabalho, Dra. SILVIA HELENA SERAFIN PINHEIRO, foram apregoados:

Editora Globo S.A. e Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo-SP.

Ausentes as partes.

Prejudicada a renovação da proposta de conciliação.

Submetido o processo à apreciação do Juízo, prolatada foi a seguinte:

SENTENÇA

Editora Globo S.A. propôs Ação Anulatória com pedido de liminar em face de Delegacia Regional do Trabalho, postulando a concessão de medida liminar de natureza acautelatória, a fim de que seja suspensa a exigibilidade da multa até o trânsito em julgado, expedição de ofício ao Ministério do Trabalho e a anulação do auto de infração nº 015706648, com a condenação da ré no pagamento de custas processuais.

Atribuiu à causa o valor de R$ 125.000,00. Juntou documentos.

Às fls. 85 dos autos, a MM. Juíza Fernanda Zanon Marchetti, considerando a provável extrapolação da aptidão funcional pelo fiscal da DRT quando da autuação e, por presentes os requisitos legais, deferiu a medida liminar requerida, determinando a suspensão da exigibilidade da multa e eventual inscrição da autora na dívida ativa da União, até a prolação de decisão definitiva.

A ré recebeu contrafé e a intimação quanto aos termos da decisão, conforme fls. 89 dos autos. Não compareceu à audiência de fls. 96.

Foi então designado julgamento para 18/04/2011. É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

A empresa autora alega, em suma, que o Auditor Fiscal do Trabalho lavrou auto de infração, sob o fundamento de que a autora teria deixado de efetuar recolhimentos do FGTS sobre valores pagos a prestadores de serviços, através de cartão de compras, a título de incentivo pelo e para o desempenho satisfatório. Sustenta que o agente fiscal do trabalho, ao decidir pela incidência do FGTS na prestação de serviço, teria enquadrado a relação jurídica de prestação de serviços, fundada no direito civil, em relação de emprego, sem ter, no entanto, competência para tanto.

Assiste razão à empresa autora. Com efeito, embora incumba ao Auditor Fiscal do Trabalho a verificação do cumprimento das disposições legais e regulamentares, no âmbito das relações de trabalho e de emprego, não pode o mesmo exigir o recolhimento do FGTS sobre valores disponibilizados pela empresa autora a prestadores de serviço, a título de incentivo, através de cartões de compras. É cediço que o FGTS é devido a partir da relação empregatícia, relação inexistente, até o presente momento, na hipótese dos autos.

O auditor fiscal não possui competência para reconhecer o vínculo empregatício, eis que tal competência pertence à Justiça do Trabalho.

E, nesta esteira de raciocínio, conclui-se que o Auditor Fiscal do Trabalho, quando exigiu o recolhimento do FGTS sobre incentivo disponibilizado a prestador de serviço, presumindo a existência de relação de emprego, que sequer foi reconhecida pelo Judiciário Trabalhista, extrapolou sua competência.

E, neste diapasão, julgam-se procedentes os pedidos formulados na inicial para que seja anulado o Auto de Infração nº 015706648, objeto da demanda, cancelando-se a multa imposta pela requerida. A medida liminar concedida às fls. 85 dos autos fica mantida até o trânsito em julgado desta Sentença.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, a 76ª Vara do Trabalho de São Paulo julga PROCEDENTE o pedido formulado por Editora Globo S.A. em face de Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo – SP para que seja anulado o Auto de Infração nº 015706648, objeto da demanda, cancelando-se a multa imposta pela requerida, conforme fundamentos, que passam a fazer parte integrante do presente dispositivo.

A medida liminar concedida às fls. 85 dos autos fica mantida até o trânsito em julgado desta Sentença.

Custas de R$ 2.500,00 pela requerida, calculadas sobre o valor de R$ 125.000,00, das quais fica isenta na forma da lei. NADA MAIS. Intimemse as partes, devendo a requerida ser intimada por Oficial de Justiça.

SILVIA HELENA SERAFIN PINHEIRO
Juíza do Trabalho

Fonte: Migalhas

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A INAPLICABILIDADE DOS JUROS E DA MULTA DE MORA SOBRE QUITAÇÕES EXTEMPORÂNEAS DAS ESTIMATIVAS MENSAIS DO IRPJ E DA CSLL E A DECISÃO DO CARF

* Luciano Inocêncio dos Santos

Não se tem notícia de que essa tese tenha sido trazida à discussão nos julgamentos do CARF, ou mesmo do antigo Conselho de Contribuintes antes de dezembro de 2009, quando suscitei a questão na declaração de voto que fiz nos autos do PAF nº 11516.003062/99-20.

O entendimento, manifestado naquela declaração de voto, denotou a progressão do meu posicionamento em relação aos votos que vinha proferindo até então, o que se deu em função da apreciação que fiz de um Parecer Jurídico inédito sobre o tema, da lavra do Ilmo. Dr. Leonardo Mussi da Silva.

Os argumentos daquele parecer me demoveram de antigas premissas e passei a adotá-los integralmente em meus votos, a partir de então, acrescentando-lhes também outros fundamentos que embasaram a decisão proferida nos autos do PAF nº 10980.014666/2006-14 da 1ª Seção do CARF, na qual fui designado para redigir o voto vencedor com a seguinte ementa:

“MULTA DE MORA - ESTIMATIVAS DO IRPJ E DA CSLL RECOLHIDAS OU COMPENSADAS EM ATRASO - INAPLICABILIDADE POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL.

A multa de mora, tipificada no art. 61, da Lei nº 9.430/1996, pressupõe a existência de uma obrigação líquida e certa, cujo fato gerador tenha efetivamente ocorrido, o que não se verifica no caso dos recolhimentos ou compensações mensais das estimadas do IRPJ e da CSLL, feitos com atraso, cujo fato gerador só ocorre ao final do período-base de apuração, tornando ilegal, nesta circunstância, a aplicação da penalidade moratória, em consonância com as disposições do art. 112, II do CTN.”


Os fundamentos que nortearam a referida decisão estão discorridos como segue.

A controvérsia quanto à inaplicabilidade da multa moratória e dos juros sobre a quitação extemporânea das estimativas do IRPJ e da CSLL, que serão ajustadas na apuração anual desses tributos, está no fato de que, invariavelmente, tais acréscimos são exigidos dos contribuintes, com fundamento na Lei nº 9.430/1996, art. 61, § 3º, sem levar em consideração características próprias desses tributos e dos seus pagamentos, os quais devem ser cotejados com a hipótese prevista na lei, em seus estritos limites, a fim de verificarmos se lhes aplica tal exigência. Observemos primeiro, os aspectos relativos à multa moratória e depois os atinentes aos juros, vejamos.

A legislação do IRPJ e da CSLL, que versa sobre o pagamento mensal por estimativa, ajustado pelos balancetes de redução e suspensão, dispõe que as pessoas jurídicas sujeitas à sistemática do Lucro Real anual podem optar pelo pagamento mensal do tributo de forma estimada, como antecipação do tributo devido[1], a ser apurado ao final do ano, mais especificamente em 31 de dezembro.

Desta forma, as antecipações realizadas durante o ano-calendário, quer aquelas correspondentes a um percentual sobre a receita bruta da empresa, ou mesmo as que decorrem de balanços de redução e suspensão destes tributos, são apenas valores estimados, provisórios, sem caráter definitivo, cuja notória precariedade perdura até o final do correspondente período de apuração.

Logo, é nesse momento, em 31 de dezembro, que efetivamente ocorre o fato gerador do IRPJ e da CSLL, em se tratando de apuração anual[2], tornando a dívida destes tributos líquida e certa, somente a partir deste lapso temporal.

Com efeito, não tendo ocorrido o fato gerador, no momento do pagamento das estimativas, forçoso concluir quanto à natureza jurídica dos recolhimentos, que não se tratam de tributos, propriamente ditos, mas sim de meras antecipações dos seus pagamentos.

Portanto, uma vez elucidada, tanto a natureza jurídica quanto as características das compensações ou pagamentos sobre os quais se discute a incidência da multa moratória, resta saber se sobre eles recai a referida sanção, cuja tipificação da conduta prevista na Lei nº 9.430/1996, assim versa:

“Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.” (Nossos Grifos)

Verifica-se que o dispositivo transcrito trata primeiramente dos “débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal”, como forma de delimitar o campo de incidência da norma legal.

Observe-se, ainda, que o mesmo dispositivo, imputa condições à aplicação da penalidade da multa de mora, qual seja, a de que esta só recairá sobre os débitos “cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997”, ou seja, o pressuposto condicionante da norma legal para a aplicação da multa moratória é a ocorrência do fato gerador dos débitos tributários a partir da data fixada naquela norma.

Assim, o acréscimo da multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia (limitado em 20%), somente se aplica aos débitos de tributos e contribuições administrados pela RFB pagos em atraso, cujos fatos geradores, descritos na regra matriz de incidência, tenham efetivamente ocorrido.

Se não há sequer fato gerador, não há que se falar em obrigação tributária líquida e certa, mas apenas em uma exigência precária, não definitiva.

Por isso, esses pagamentos não se referem a tributos propriamente ditos, por lhes faltar os elementos essenciais para tanto, tais como, o de ser uma prestação compulsória[3] ou ter um fato gerador[4].

De fato, o próprio CTN ao dispor sobre o conceito de fato gerador, asseverou que este “... é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” [5](Nossos Grifos).

Também nesse sentido, para que haja a ocorrência do fato gerador, com o consequente surgimento da obrigação tributária, é condição “sine qua non” que todos os elementos da regra matriz de incidência estejam presentes, sob pena de perda da sua exigibilidade[6].

No caso, carece a situação fática de parte desses elementos, notadamente o aspecto temporal da hipótese de incidência, pois o transcurso do lapso temporal, previsto na lei, para apuração anual do IRPJ e da CSLL não se completou, pois se dá apenas em 31/12.

Isto porque, no curso do ano calendário, quando se exigem os pagamentos das antecipações, por meio de estimativa, a apuração anual ainda não ocorreu, logo, não há que se aventar a ocorrência do fato gerador antes de transcorrido esse lapso temporal.

No caso específico do Imposto de Renda, notadamente sobre o aspecto temporal da sua hipótese de incidência, segundo o saudoso Nilton Latorraca, é certo que a “importância do tempo é decisiva. E tanto é assim que o direito desconhece a existência de renda antes do tempo marcado e fora das condições estabelecidas pela norma jurídica (hipótese de incidência), mesmo que de fato ela exista e seja notória.”[7] (Grifamos).

Portanto, como bem destaca Ricardo Mariz de Oliveira, o fato gerador “considerado como “situação necessária e suficiente à sua ocorrência”, na breve mas precisa dicção do art. 114 do CTN, somente se completa ? em fim, somente existe - no encerramento do período-base, pois antes deste evento, não há o fato completo, não há a situação necessária e suficiente, não por uma simples exigência formal, mas, sim, por duas razões reais:

- a primeira é que, até o instante final, algo pode vir a mudar a situação patrimonial da pessoa;

- a segunda, e principal, é que a situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária é constituída por todo o período de tempo previsto na lei como período-base, de sorte que, enquanto ele não estiver completo e terminado, não há a situação necessária e suficiente.”
[8] (Nossos Grifos).

Vê-se, pois, que não há como imputar ou exigir qualquer obrigação tributária antes do tempo marcado e fora das condições estabelecidas na lei, sob pena da sua invalidade, tal como, in casu, se pretende fazer ao exigir multa de mora sobre antecipações estimadas do IRPJ ou da CSLL.

Destaque-se, também, que os pagamentos do IRPJ e da CSLL feitos com base no regime de estimativa são feitos em razão de uma opção do contribuinte. Aliás, a própria lei ao tratar da quitação do IRPJ é de clareza meridiana quando diz ser a antecipação uma opção “pelo pagamento do imposto”[9], o que corrobora a falta da característica compulsória[10] nesta prestação, que é inerente e indissociável da qualidade de tributo. Tais parcelas antecipadas, portanto, não constituem verdadeiros tributos.

Tanto isso é verdade que as próprias autoridades administrativas, após o encerramento do ano-calendário, estão proibidas de cobrar tais valores calculados de forma estimada[11].

Tratam-se, portanto, as antecipações de verdadeiros ativos do contribuinte, que serão formados ao longo do ano-calendário, como a própria RFB já reconheceu[12].

Nesse compasso, não há como imputar ao contribuinte uma mora em razão do ativo constituído fora do prazo ou pelo ativo que deixou de ser constituído. A mora, e com mais razão ainda, a multa de mora, pressupõem sempre a existência de uma obrigação consubstanciada numa dívida líquida e certa, cujo fato gerador tenha efetivamente ocorrido, o que não se verifica no caso em exame.

Ora, é, por demais, óbvio que direitos e obrigações não se confundem, mas, ao contrário, são completamente distintos e opostos um ao outro, logo, não faz nenhum sentido imputar a multa de mora sobre um direito, qual seja, o ativo decorrente de um pagamento antecipado, que difere de uma obrigação que só ocorre ao final de cada ano.

Também não se pode aplicar a multa de mora sobre as estimativas mensais sem que haja qualquer disposição legal expressa nesse sentido, pois é imprescindível a perfeita adequação entre a descrição contida na lei com a situação do fato concreto, para que aquele fato jurídico produza seus efeitos, o que não se verifica na situação analisada.

Deste modo, se não há disposição legal expressa a imputar dita penalidade, a sua aplicação só poderia advir de uma interpretação mais extensiva daquela norma.

Nesse sentido, apenas para argumentar, para que fosse feita essa interpretação, seria necessário, na compreensão do dispositivo sancionador[13], que a expressão “cujos fatos geradores ocorrerem” fosse suprimida, tornando tal vocábulo mera letra morta, sem qualquer utilidade no contexto em que foi inserido, para, com isso, abarcar uma situação não contemplada expressamente na lei.

Ademais, ainda que isso fosse possível, não há como fazer esse tipo de interpretação sem abstrair do seu conteúdo o sentido mínimo do texto legal, o que em regra não se admite, ainda mais quando se trata da aplicação de norma sancionadora.

De fato, segundo Neder “Em se tratando de normas sancionadoras, não é possível a interpretação que privilegie apenas a finalidade sem se preocupar com o sentido mínimo do texto, de forma a estender a punição além das hipóteses figuradas na lei.” [14] (Nossos Grifos)

Desta forma, exigir a multa de mora sobre as estimativas mensais com fundamento no art. 61, da Lei nº 9.430/1996, implica em fazer uma interpretação bem mais abrangente e severa desse dispositivo, visando a abarcar uma situação não contemplada naquela norma, contrariando as disposições preconizadas no CTN, que prevê, para estes casos, a regra de interpretação que é mais favorável ao contribuinte[15].

Verifica-se, pois, que a existência de mais de uma possibilidade de interpretação, “per si”, de uma norma que comina a aplicação de penalidade, como a do caso em análise, onde se cogita incidir ou não multa de mora sobre o pagamento ou compensação das estimativas (apontadas no caso concreto), nos remete, compulsoriamente[16], às regras de interpretação das normas tributárias previstas no próprio CTN (art. 112), que determinam a aplicação da regra mais favorável ao acusado (contribuinte).

Nesse sentido, leciona Hugo de Brito Machado que “a regra do art. 112 tem nítida função de tornar efetivo o princípio da legalidade”[17], por conseguinte, quando houver dúvida quanto à aplicação de determinada penalidade, o CTN aponta como solução que o “princípio da legalidade, juntamente com o da tipicidade, vetores mestres da tributação, impõe que qualquer dúvida sobre o perfeito enquadramento do fato à norma, é de ser resolvida em favor do contribuinte”[18]. (Nossos Grifos).

Com efeito, verifica-se que a interpretação de que a penalidade prevista no art. 61 da Lei nº 9.430/1996, pode também ser aplicada sobre as estimativas não recolhidas ou compensadas na época própria, não se coaduna com as regras de interpretação da norma tributária previstas no aduzido dispositivo, por não ser esta a regra mais favorável ao contribuinte, o que não se pode conceber.

Cumpre esclarecer, ainda, que a inadimplência das obrigações de antecipar os pagamentos estimados ao longo do ano, no regime de apuração do lucro real anual, não está imune a aplicação de penalidade. Não é isso que se defende, ao contrário, o legislador pode e deve estipular mecanismos para forçar ou, por que não, coagir, o contribuinte a recolher as antecipações no regime em comento nos prazos estipulados pela própria norma. Mas para tanto, poderia estabelecer, por exemplo, a penalidade de exclusão do regime anual para o regime trimestral, ou qualquer outra sanção, mas desde que o faça por meio de norma legal expressa e válida, a qual inexiste no momento.

Aos juros de mora, não assiste melhor sorte, aplica-se o mesmo raciocínio, até aqui discorrido, relativamente à multa de mora, pois, de acordo com o § 3º, do artigo 61, da Lei nº 9.430/96, os juros se aplicam somente aos débitos de que trata a cabeça do dispositivo, ou seja, aos débitos cuja multa de mora seja aplicada. Eis o que diz o dispositivo referente aos juros de mora:

“§ 3º Sobre os débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês de pagamento.” (Nossos Grifos).

Desta forma, não se aplicando a multa de mora sobre as estimativas do IRPJ e da CSLL, pagos ou compensados com atraso, indevido igualmente é a incidência dos juros de mora sobre estas, posto que, se não há fundamento legal para exigência da multa de mora, também carece de fundamento legal a exigência dos juros moratórios, pelos mesmos argumentos outrora discorridos.

Destarte ainda, que em relação aos juros de mora, há também uma situação, no mínimo curiosa, pois, dentre as nobres atribuições conferidas ao CARF, é cediço que essa instituição “... têm o dever legal, mesmo que de oficio, de apreciar a legalidade do lançamento”[19], mas, uma ironia do destino, quis que essa mesma entidade, que zela pela legalidade das exigências tributárias, viesse a ser mantida com recursos provenientes de uma exigência ilegal, uma vez que os juros de mora tratados neste estudo[20], como sendo ilegais, são uma das fontes de custeio deste órgão[21].

Felizmente, esse mesmo destino, está propiciando ao CARF a oportunidade de reconhecer e reparar, em seus julgamentos, essa situação, fazendo, por conseguinte, cumprir sua nobre função.

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[1] art. 2º da Lei nº 9.430/1996, combinado com o art. 35 da Lei nº 8.981/1995.
[2] CSRF/Acórdão nº 01-05.875, PAF nº 10384.000638/2004-79, Relator Marcos Vinícius Neder de Lima, Data da Sessão: 23/06/2008.
[3] art. 3º da Lei nº 5.172/1966 (CTN)
[4] art. 4º da Lei nº 5.172/1966 (CTN)
[5] art. 114 da Lei nº 5.172/1966 (CTN)
[6] CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 12ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, pg. 236.
[7] LATORRACA, Nilton. Direito Tributário ? Imposto de Renda das Empresas. 14. ed. atualizada por Rutnéa Navarro Guerreiro e Sérgio Murilo Zalona Latorraca. São Paulo: Editora Atlas, 1998, pág. 130.
[8] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Editora Quatier Latin, 2008, pag. 494.
[9] art. 2º, § 3º da Lei nº 9.430/1996
[10] art. 3º da Lei nº 5.172/1966 (CTN).
[11] art. 15, § § 1º, 2º, 3º, art. 16, I, II e art. 49 da IN SRF n° 93/1997.
[12] Resposta da questão de nº 025 do Perguntas e Respostas da DIPJ2010.
[13] Lei nº 9.430/1996, art. 61
[14] NEDER, Marcos Vinicius. O regime jurídico da multa isolada sobre estimativas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 16, maio ? junho ? julho - agosto, 2007, pag. 5.
[15] art. 112 da Lei nº 5.172/1966 (CTN).
[16] art. 107 da Lei nº 5.172/1966 (CTN).
[17] MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, v. II, 2004, pag. 279.
[18] OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998, pag. 286.
[19] Acórdão nº 106-17.000 de 06/08/2008, 6ª Câm. 1º Cons. Contribuintes, Rel. Dr. Giovanni Christian N. Campos.
[20] Lei nº 9.430/1996, art. 61, § 3º.
[21] Lei nº 9.716/1998: “art. 4º Fica restabelecida a destinação, ao FUNDAF, da receita de que trata o § 3º do art. 61 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”; Decreto-lei nº 1.437/1975, art. 6º, parágrafo único, “a”: “Parágrafo único. O FUNDAF destinar-se-á, também, a fornecer recursos para custear: (Incluído pela lei nº 9.532, de 1997) a) o funcionamento dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, inclusive o pagamento de despesas com diárias e passagens referentes aos deslocamentos de Conselheiros e da gratificação de presença de que trata o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 5.708, de 4 de outubro de 1971; (Incluída pela lei nº 9.532, de 1997)”(Nossos Grifos)

* Consultor Tributário Especialista em Tributos Diretos, Ex-Conselheiro do CARF e Sócio do Escritório Mussi, Sandri & Pimenta Advogados

Fonte: Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis

terça-feira, 19 de abril de 2011

Multa prevista na Lei 12.249/10 é inconstitucional

* Por Christian Lisboa Rodrigues

Em 14 de junho de 2010, foi publicada a Lei 12.249, que, por meio de seu artigo 62[1], alterou a redação do artigo 74 da Lei 9.430/96, instituindo multa isolada, na alíquota de 50% sobre o valor do crédito não ressarcido e/ou compensado, nos casos de (i) pedidos de ressarcimentos indeferidos ou indevidos e/ou (ii) declarações de compensações não homologadas.

Desta forma, encontram-se os contribuintes em estado de insegurança, tendo em vista a edição da aludida lei, a qual visa penalizá-los pelo simples fato de buscarem seus direitos perante a Receita Federal, independentemente de haver configuração de má-fé.

Destarte, a aplicação de tais multas acaba por coibir o pleno exercício de direito dos contribuintes de boa-fé, que pleiteiam o reconhecimento de seus direitos creditórios perante a fazenda pública.

Ao impor as multas, objeto do presente artigo, foi desconsiderado o fato de que a legislação tributária brasileira, além de extensa, é de extrema complexidade. Tanto é que a própria Receita Federal, por meio de seus órgãos julgadores, afasta, habitualmente, glosas, penalidades e autuações aplicadas por seus servidores.

Para demonstrar a tamanha complexidade da legislação tributária brasileira, segue estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, publicado em 05 de outubro de 2010[2]:

Durante os 22 anos de vigência da Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, foram editadas mais de 4,15 milhões de normas, resultando em 517 normas editadas todos os dias ou 774 normas por dia útil. Isso é o que revela estudo divulgado nesta terça-feira, 05 de outubro, pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT.
Em matéria tributária, foram editas 249.124 normas, ou seja, quase seis normas tributárias por hora, tendo já ocorrido 13 reformas constitucionais em matéria tributária. Sem contar os inúmeros tributos criados como CPMF, Cofins, Cides, CIP, CSLL, PIS Importação, Cofins Importação, ISS Importação que regem a vida dos cidadãos brasileiros.
Segundo o coordenador de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, a legislação brasileira é um emaranhado de temas. “É um conjunto desordenado de assuntos, tornando praticamente impossível que o cidadão conheça e entenda o seu conteúdo".
Desde a promulgação foram editadas 154.173 normas no âmbito federal, uma média de 19,19 por dia ou 28,72 normas federais por dia útil, enquanto os estados editaram 1.095.279 normas, o que dá 5,05 norma/dia ou 7,56 norma/dia útil. Já os municípios são responsáveis pela edição de 2.906.463 normas, considerando que existem 5.567 municípios no Brasil, cada um deles editou, em média, 522,09 normas neste período.
Do total de normas editadas no Brasil nestes 22 anos, cerca de 6% se referem à matéria tributária. São 28.591 normas tributárias federais (11,5% das normas tributárias), 83.516 normas tributárias estaduais (33,5% das normas tributárias) e 137.017 normas tributárias municipais (55% das normas tributárias). Em média foram editadas 31 normas tributárias/dia ou 1,3 norma tributária por hora e 46 normas tributárias/dia útil ou 5,8 normas por hora/útil.
Do total de 4.155.915 normas gerais editadas, 13,02% ou 541.100 estão em vigor. E das 249.124 normas tributárias editadas, 7,4% ou 18.409 estão em vigor atualmente.
Hoje as empresas devem cumprir 3.422 normas, ou 38.429 artigos, 89.540 parágrafos, 286.296 incisos e 37.660 alíneas, ou o equivalente a 5,9 quilômetros de normas tributárias, acaso impressas em papel A4. Em decorrência desta quantidade de normas, as empresas gastam cerca de R$ 42 bilhões por ano para manter pessoal, sistemas e equipamentos no acompanhamento das modificações da legislação.
Dividindo-se a quantidade de normas editadas pelo número de habitantes do país, verifica-se que nos três anos anteriores à promulgação da Constituição de 1988 foi editada uma norma geral para cada grupo de 300 habitantes. No período de 1989 a 2010 foi editada uma norma para cada grupo de 47 habitantes. (...).

Da análise desse estudo concluímos que “hoje as empresas devem cumprir 3.422 normas, ou 38.429 artigos, 89.540 parágrafos, 286.296 incisos e 37.660 alíneas, ou o equivalente a 5,9 quilômetros de normas tributárias, acaso impressas em papel”, ou seja, quase seis normas por hora, tendo já ocorrido 13 reformas constitucionais em matéria tributária.

O próprio coordenador de estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário conclui que a legislação tributária brasileira “é um conjunto desordenado de assuntos, tornando praticamente impossível que o cidadão conheça e entenda o seu conteúdo”.

A conclusão que se pretende chegar é que, em se tratando de matéria tributária, não há entendimentos sedimentados, tendo em vista a quantidade exorbitante de normas editadas diariamente, as quais dão ensejo à diversidade de interpretações, tanto é que há, inclusive, conflito de entendimentos por parte do Fisco com seus próprios órgãos julgadores, em relação a suas aplicações e interpretações.

Tanto é que, se de fato não houvesse divergência de entendimentos, não haveria, no próprio âmbito administrativo, graus de jurisdições de julgamento, havendo julgamentos de primeira instância, segunda instância (realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), instância especial, Pleno e, inclusive, processos de consulta, conforme prevê o Decreto nº 70.235/72.

Da mesma forma, há divergência de entendimentos também no âmbito do Poder Judiciário, já que não são poucos os casos em que há conflito entre decisões de turmas de um mesmo tribunal, bem como, entre os próprios tribunais, fato que sequer precisa ser demonstrado, por ser público e notório.

Portanto, conclui-se que a aplicação das penalidades de que trata o artigo 74, parágrafos 15º e 17º, da Lei 9.430/96, é completamente descabida, tendo em vista o cenário atual da legislação tributária brasileira que não possibilita ao contribuinte segurança ao realizar pedidos de ressarcimento e compensação perante a Receita Federal, devido a sua complexidade e subjetividade.

A Constituição Federal traz, em seus diversos dispositivos, direitos e garantias fundamentais, visando impedir o legislador ordinário de criar, por meio de lei, determinações que, de forma desarrazoada e desproporcional, constranjam os contribuintes a agirem da forma pretendida, desrespeitando direitos conferidos pela Constituição.

No entanto, o legislador ordinário, por diversas vezes, acaba editando leis que extrapolam suas respectivas competências, limitando as garantias fundamentais de seus jurisdicionados, aos quais estão dispostas na Constituição. As sanções políticas são, portanto, essas normas, que se caracterizam por serem meios transversos pelos quais o Estado exerce poder de coerção perante seus jurisdicionados, com o objetivo de obrigá-los a realização de atos desejados.

As sanções políticas, na esfera tributária, são, portanto, as normas que desconsideram esses direitos fundamentais esculpidos na Constituição, impondo aos contribuintes, no caso, deveres que afrontam diretamente os conceitos basilares do Estado Democrático de Direito.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de rechaçar a aplicação de sanções políticas, sob a ótica de que tais sanções violam direitos fundamentais dos cidadãos, como pode ser facilmente constato da leitura de seus diversos julgados sobre a matéria. Como exemplo, pode ser dado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173[3], que tem sido usado como paradigma em relação aos julgados que versam sobre normas que se caracterizam por serem sanções políticas.

Tratando-se do caso concreto, objeto da presente análise, as multas instituídas pelo artigo 62 da Lei 12.249/10 violam, literalmente, os direitos fundamentais dos contribuintes, tendo em vista que, de forma desproporcional, coagem o contribuinte de boa-fé, tendo em vista a imposição de penalidade ao livre exercício do direito de petição, de que trata o artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal, violando, consequentemente, o devido processo legal, manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo, no caso à Receita Federal.

Conforme entendimento do ministro Celso de Mello “o direito de petição qualifica-se como prerrogativa de extração constitucional assegurada à generalidade das pessoas pela Carta Política (artigo 5º, XXXIV, "a"). Traduz direito público subjetivo de índole essencialmente democrática[4]”. Tal direito, esculpido no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal[5], concede ao cidadão brasileiro amplo direito de peticionar aos Poderes Públicos em defesa de seus direitos. Desta forma, é direito do contribuinte ter livre acesso aos órgãos do Poder Executivo, requerendo, por meio da via apropriada, o ressarcimento e/ou a compensação em relação ao seu direito creditório perante a fazenda pública.

No entanto, com a edição da Lei 12.249/10, que, por meio de seu artigo 62, alterou o disposto no artigo 74, parágrafos 15 e 17, da Lei 9.430/96, instituindo as multas, objeto da presente análise, ocorreu limitação de tal direito aos contribuintes.

Destarte, a aplicação das aludidas multas aos contribuintes que buscam simplesmente o reconhecimento de seu direito creditório caracteriza-se como sanção política, exatamente por violar diretamente o direito fundamental de petição de que trata o artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal e, por via de consequência, inviabiliza o livre acesso a órgão do Poder Executivo.

Pretende o Fisco, com a aplicação das multas em comento, penalizar o contribuinte de boa-fé, tendo em vista que não há necessidade de apuração de eventual fraude, má-fé, para sua aplicação, tendo em vista que basta haver a discordância do Fisco com o pleiteado pelo contribuinte para a caracterização de conduta ensejadora de penalidade. Destarte, a multa isolada de 50% se aplica a todas as hipóteses de pedidos de ressarcimento e compensação indeferidos pela Receita.

Com base nos dados e fundamentos expostos, conclui-se ser incabível a multa aplicada aos contribuintes de boa-fé que peticionam perante a Receita Federal para requererem o reconhecimento de seus direitos, pelo simples fato haver discordância do ente público quanto à existência ou não desse direito, tendo em vista o número exorbitante de normas tributárias, bem como, a complexidade e subjetividade relativamente a sua interpretação.

Mostra-se, assim, inconstitucional a multa prevista nos parágrafos 15º e 17º do artigo 74 da Lei 9.430/96, com redação dada pelo artigo 62 da Lei 12.249/10, tendo em vista que limita o livre exercício do direito fundamental do contribuinte de peticionar ao ente público, limitando, por via de consequência, seu livre acesso a órgão do Poder Executivo, aplicando penalidade a ato lícito, pelo simples fato de ser inexitoso o direito creditório buscado pelo entendimento do Fisco.

O postulado da proporcionalidade exige adequação entre os meios e os fins, devendo o meio levar à realização do fim pretendido, sendo assim, o legislador deve valer-se dos meios comprovadamente mais eficazes para a consecução de determinada finalidade.

O emprego da palavra proporção remete ao entendimento de atribuir a cada um a sua devida proporção. Como analogia, pode-se tomar como exemplo a aplicação da norma penal, a qual deve ser aplicada a pena em proporção ao crime cometido. Já no Direito Tributário, pode ser dado como exemplo a proporcionalidade que deve haver entre a carga tributária e os serviços públicos posto a disposição da sociedade.[6]

Sendo assim, pergunta-se: qual foi o objetivo do legislador ao instituir, por meio do artigo 62 da Lei 12.249/10, multas incidentes sobre pedidos de ressarcimentos indeferidos ou indevidos e/ou declarações de compensações não homologadas, na alíquota de 50% sobre o valor do crédito não ressarcido e/ou compensado?

A resposta que se chega é que a finalidade das aludidas multas é dar celeridade ao processo de ressarcimento e compensação na via administrativa. No entanto, pergunta-se: mostra-se proporcional coagir o contribuinte de boa-fé, limitando seus direitos fundamentais de petição, ampla defesa e contraditório para alcance de tal finalidade?

A conclusão que se chega é que a resposta para tal questionamento seria “não”, tendo em vista que o legislador se utilizou dos meios inadequados para a consecução do fim pretendido, agindo, por consequência, de forma desproporcional.

A proporcionalidade, portanto, se aplica em situações em que há relação de causalidade entre os meios utilizados e os fins pretendidos, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio eleito promove o fim pretendido?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e adequados para promover o fim pretendido, não há outro meio menos restritivo dos direitos fundamentais auferidos?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?).[7]

No caso concreto, o exame a ser realizado é o da necessidade. Para realização de análise do exame de necessidade do postulado da proporcionalidade, mostra-se necessária averiguação dos meios utilizados pelo legislador. Nesse ponto, não se estará analisando se o meio utilizado atingiu o fim pretendido, de modo que, parte-se de um caso em o fim está sendo atingindo, mesmo que minimamente[8].

Partindo dessa premissa, o exame de necessidade propõe o seguinte questionamento: o meio utilizado poderia ter sido outro menos restritivo aos direitos fundamentais afetados? No caso concreto, não há como ser concebido entendimento de que as multas objeto do presente estudo sejam a forma menos restritiva para se promover a celeridade nos processos de ressarcimento e compensação.

Ora, resta claro que a aplicação das aludidas multas é medida desproporcional para obtenção da finalidade buscada pelo legislador, tendo em vista que, para dar celeridade aos processos de ressarcimento e compensação não há necessidade de violação a direitos fundamentais dos contribuintes.

Assim, a conclusão que se chega, nesse ponto do presente estudo, é que, para ser atingido o objetivo buscado com a norma, devem ser sopesados os meios para seu alcance, de modo a concluir se as restrições causadas pela aplicação dos meios são necessárias para a consecução do fim pretendido.

No caso concreto, a finalidade buscada com a instituição das multas previstas no artigo 62 da Lei 12.249/10 não justifica as restrições causadas aos contribuintes, tendo em vista que há frontal violação aos seus direitos fundamentais para consecução da finalidade buscada, mostrando-se, portanto, norma desproporcional.

Nesse ponto, será demonstrado que as multas ora atacadas visam penalizar contribuintes de boa-fé, ou seja, aqueles que, de forma lícita, pleiteiam, pela via administrativa, a declaração de seus direitos creditórios.

Assim, as multas previstas nos parágrafos 15º e 17º do artigo 74 da Lei 9.430/96, com redação dada pelo artigo 62 da Lei 12.249/10, penalizam os contribuintes pela simples exercício regular de seus direitos, qual seja, o de peticionar aos entes da administração pública, e não ato ilícito por eles praticados.

O próprio conceito literal da palavra “multa” significa “pena pecuniária”[9]. Pena, por sua vez, significa “castigo, punição, punição imposta pelo estado ao delinquente contraventor”[10].

O caráter punitivo é, portanto, a própria essência da multa. Tal entendimento, quanto à natureza de penalidade atribuída à multa fiscal, coaduna-se com o do Supremo Tribunal Federal, o qual resta expresso por meio do enunciado da Súmula 565[11], onde se conclui pela natureza punitiva da multa de mora, por exemplo.

Resta evidente, pois, o entendimento segundo o qual não se pode dissociar a multa à punição, que, por sua vez, pressupõe a ocorrência de ato ilícito ou infracional. Com base nessa assertiva, pergunta-se: configura-se como ilícito ou infracional o ato do contribuinte peticionar perante a administração fazendária, requerendo ressarcimentos e/ou declarações de compensações relativamente aos seus direitos creditórios?

A resposta para a pergunta supra é que não. Portanto, as multas instituídas pela Lei 12.249/10 resultam em uma punição ao exercício regular de direito do contribuinte, o que, por óbvio, não pode ser caracterizada como ato ilícito ou infracional a ensejar punição.

De acordo com interpretação ora realizada, as multas isoladas de 50% de que trata o presente estudo são aplicáveis a todos os pedidos de ressarcimento indeferidos, bem como, aos de compensações não homologadas, quando não há apuração de má-fé do contribuinte, até porque, no mesmo artigo 62 da aludida lei, foi instituída multa de 100% quando apurada a má-fé do contribuinte (inclusão do parágrafo 16 da Lei 9.430/96[12] dada pelo artigo 62 da Lei 12.249/10).

Sendo assim, como já mencionado, basta haver entendimento diverso por parte do Fisco para dar ensejo não apenas o indeferimento do crédito ressarcível ou compensável, como será aplicada multa ao contribuinte. Merece, nesse ponto, repisar os argumentos aqui já expostos, de que, em se tratando de matéria tributária, dificilmente haverá entendimento pacífico sobre determinada matéria, fato que torna inaplicáveis as aludidas multas pela simples discordância do Fisco.

A conclusão que se chega é que se caracterizam como arbitrárias as aludidas multas, tendo em vista que se configuram como penalidades aplicadas a atos lícitos, de contribuintes que, de boa-fé, buscam regular exercício do direito de petição perante o Fisco, pratica que, de forma alguma é passível de punição.

Conclui-se, diante da análise feita, que as multas previstas nos parágrafos 15º e 17º do artigo 74 da Lei 9.430/96, com redação dada pelo artigo 62 da Lei 12.249/10, são inconstitucionais, por se tratarem de sanções políticas que limitam, de forma desproporcional, o exercício regular dos direitos dos contribuintes que buscam o ressarcimento e compensação de seus créditos perante a Fazenda Pública, tendo em vista que, de forma desproporcional, violam os direitos de petição do contribuinte.


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[1] Art. 62. O art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 74.

.............................................................................................

§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido.

§ 16. O percentual da multa de que trata o § 15 será de 100% (cem por cento) na hipótese de ressarcimento obtido com falsidade no pedido apresentado pelo sujeito passivo.

§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.” (NR)

[2]Disponível em: http://www.ibpt.com.br/home/publicacao.view.php?publicacao_id=13873&PHPSESSID=6f9dec852f8f64efd82b4d6de3bfa42c

[3] CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) - estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil.

Obrigações do Tesouro Nacional - à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. Da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa”. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes.

[4] MI 772 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 24/10/2007, DJe-053 DIVULG 19-03-2009 PUBLIC 20-03-2009 EMENT VOL-02353-01 PP-00057

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

[6] ÁVILA, Humberto. Direito Tributário. Coordenação Luís Eduardo Schoueri. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.330.

[7] ÁVILA, Humberto. Direito Tributário. Coordenação Luís Eduardo Schoueri. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.330-331.

[8] ÁVILA, Humberto. Direito Tributário. Coordenação Luís Eduardo Schoueri. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 340.

[9] Significado da palavra “multa” retirado do Dicionário Aurélio.

[10] Significado da palavra “pena” retirado do Dicionário Aurélio

[11] SÚMULA 565: A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência.

[12] Art. 62. O art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 74. .......................................................................

.............................................................................................

§ 15. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido.

§ 16. O percentual da multa de que trata o § 15 será de 100% (cem por cento) na hipótese de ressarcimento obtido com falsidade no pedido apresentado pelo sujeito passivo.

§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo.” (NR)

* Christian Lisboa Rodrigues é advogado em Porto Alegre, especialista em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico pela PUC/RS.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Passageiro cuja bagagem foi extraviada em voo da TAM receberá R$ 22 mil

A 6ª Câmara de Direito Civil do TJ confirmou sentença da comarca de Blumenau, que havia condenado TAM Linhas Aéreas S.A. a indenizar o cliente Pedro Roberto Probst, por extraviar suas bagagens. Ele receberá R$ 20 mil a título de indenização por danos morais, e R$ 2.352,71 de ressarcimento material. O passageiro viajou à França pela empresa aérea e, ao chegar ao destino, não recebeu seus pertences.

Em razão disso, teve grandes incômodos: além dos gastos com roupas e produtos de higiene, ele era, à época, portador de distúrbio de comportamento bipolar, e não pôde tomar seu medicamento diário, pois os remédios estavam nas malas e só poderiam ser comprados com receita controlada. Quando as bagagens lhe foram entregues, notou que não eram as suas e, posteriormente, soube que haviam sido etiquetadas erroneamente pela TAM e trocadas pelas de outro passageiro. Somente quando retornou ao Brasil as recebeu efetivamente.

Em sua apelação, a empresa alegou que os danos materiais e morais não foram comprovados, e negou o extravio de bagagem. Afirmou que houve apenas atraso na entrega, sem prejuízo efetivo. Por fim, postulou a minoração dos valores de indenização. Para o relator da matéria, desembargador Jaime Luiz Vicari, o transtorno sofrido com o extravio dos bens no momento do desembarque, entregues somente após o retorno da viagem, gera o dever de reparação em quantia suficiente, a fim de compensar o dano.

“[...] Os comprovantes de compra acostados dão conta de que o apelado adquiriu produtos de higiene pessoal e roupas, a fim de permanecer no país para o qual viajou com o mínimo de comodidade, uma vez que se viu privado de seus pertences ante a conduta da companhia aérea que não lhe entregou, por ocasião do desembarque, a bagagem”, anotou o magistrado, ao negar provimento ao pleito. A decisão foi unânime. (Ap. Cív. n. 2011.009029-2)

Fonte: TJ/SC

Decisão transitada que desobriga recolhimento da CSLL não é atingida por posterior julgamento de constitucionalidade

A empresa foi executada pela Fazenda Nacional para a cobrança da contribuição.

Contribuintes que tenham a seu favor decisão judicial transitada (sem possibilidade de recurso) em julgado declarando inconstitucionalidade formal e material da CSLL - Contribuição Sobre Lucro Líquido, conforme concebida pela Lei n. 7.689/1988, não podem ser cobrados em razão de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter, posteriormente, se manifestado em sentido oposto à decisão.

A decisão, unânime, é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso movido por empresa de combustíveis. O caso segue o rito dos recursos repetitivos, conforme estabelecido no artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC), servindo de base para todos os processos com o mesmo tema.

A empresa foi executada pela Fazenda Nacional para a cobrança da contribuição. No recurso ao STJ, a defesa da empresa afirmou já ter sentença transitada em julgado anterior à execução isentando-a do pagamento da CSLL. Já a Fazenda Nacional defendeu que a coisa julgada não impediria que novas leis passassem a reger diferentemente fatos tributários ocorridos após sua vigência.

O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do processo, reconheceu que a Lei n. 7.689/88 já foi considerada constitucional pelo STF. “Ocorre que, em favor da parte recorrente, há sentença transitada em julgado que, ao reconhecer a inconstitucionalidade da lei, declarou haver inexistência da obrigação de pagar a CSLL”, observou. “O fato do STF posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar a validade à existência do controle difuso de inconstitucionalidade”, explicou.

O ministro Arnaldo Esteves também considerou que as leis supervenientes à Lei n. 7.689/88 tão somente alteraram alíquota e base de cálculo do tributo. Não revogaram aquele diploma legal, que o instituiu. Em consequência, não teriam o condão de autorizar a cobrança da CSLL em relação ao contribuinte protegido pela coisa julgada. Com essas considerações, a Seção decidiu haver ofensa à coisa julgada e proveu o recurso do contribuinte para anular a ação de execução da Fazenda.

Fonte: STJ

É ilegal tributação sobre saldo positivo apurado pelo método da equivalência patrimonial

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é ilegal a tributação dos lucros auferidos por empresas coligadas ou controladas pelo contribuinte no exterior, pelo resultado positivo da avaliação de investimento feita pelo método da equivalência patrimonial. A Segunda Turma considerou que somente a parte do resultado da equivalência que corresponde a lucro real pode ser passível de recolhimento do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CLSS), e não as variações de patrimônio apuradas.

A equivalência patrimonial é o método de ajuste do investimento em filial, sucursal, controlada ou coligada, demonstrado no balanço da empresa. Por meio dessa ferramenta, atualiza-se o valor da participação societária da investidora no patrimônio da empresa. A Segunda Turma considerou que o artigo 7, parágrafo 1º, da Instrução Normativa 213, editada pela Receita Federal em 2002, que determinou o recolhimento do tributo, não tem amparo nas Leis n. 9.249/1995 e 7.689/1988, na Medida Provisória n. 2.158-35, editada em 2001. A tributação ilegítima da variação cambial, segundos os ministros, traria reflexos diretos no patrimônio líquido da empresa investida no exterior.

Segundo o relator da matéria, ministro Mauro Campbell, muito embora a tributação do resultado positivo da equivalência patrimonial fosse em tese possível, foi vedada pelo disposto no artigo 23, parágrafo único, do Decreto-Lei n.1.598/1977, para o IRPJ, e pelo artigo 2, parágrafo 1, c, da Lei n. 7.689/88, para a CSLL. A legislação citada impede a tributação no que exceder aos montantes que seriam exigidos caso adicionados às respectivas bases de cálculo apenas os lucros obtidos pelas empresas investidas.

Segundo o ministro, em se tratando de método onde se apura o resultado do exercício da empresa investidora com a inclusão do resultado positivo decorrente do investimento em empresas coligadas ou controladas, há o consequente aumento do lucro líquido da empresa investidora. Sendo assim, esse mecanismo contábil permite, em tese, a tributação na empresa investidora do lucro obtido com o investimento em empresas investidas, desde que seja considerado como lucro tributável da investidora a variação positiva do valor do seu investimento, afirmou em seu voto.

Da análise da Lei n. 9.249/95, os ministros concluíram que somente o lucro das investidas é tributado no Brasil a título de lucro da investidora auferido no exterior, na proporção de sua participação no capital da investida. A Segunda Turma decretou a ilegalidade do artigo 7 da IN 213/Receita, naquilo que a tributação pela variação do valor do investimento exceder a tributação dos lucros auferidos pela empresa investidora que também sejam lucros auferidos pela empresa investida situada no exterior, na forma do artigo 1º, parágrafo 4º, da mesma Instrução.

Fonte: STJ

Conselho amplia uso de créditos de PIS e Cofins

Tributário: Decisão unânime autoriza abatimento de qualquer despesa

Uma recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) abre a possibilidade das empresas utilizarem créditos do PIS e da Cofins que hoje não são aceitos pela Receita Federal. Por unanimidade, os conselheiros definiram que quaisquer custos ou despesas para a produção do bem ou prestação de serviço deve gerar crédito dessas contribuições.

Na prática, com base nessa decisão, os contribuintes podem tentar obter o direito de usar créditos relativos ao frete no transporte de mercadorias entre empresas do mesmo grupo, por exemplo, ou verbas para publicidade e propaganda, taxas administrativas de cartões de crédito, despesas com vale-transporte e refeição. Bem como o custo do varejo com energia elétrica para a iluminação de prateleiras.

O Fisco costuma aceitar como crédito apenas o que é apontado na legislação que criou a não cumulatividade do PIS e da Cofins - leis nº 10.637, de 2002, e nº 10.833, de 2003. Em geral, a Receita só permite a obtenção de créditos sobre valores gastos com o que a empresa usa ou consome diretamente na produção do bem ou prestação de serviço, a exemplo da aquisição de máquinas para o ativo permanente.

A lista que consta na legislação, porém, não é taxativa e como o conceito de insumo não está expresso na lei, as empresas consultam a Receita Federal para saber o que gera crédito. Segundo recentes soluções de consulta, a Receita entende que deve ser levado em conta o conceito de insumo da lei do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Isso quer dizer que as empresas só podem tomar crédito do PIS e da Cofins em relação ao que é usado diretamente na produção do bem.

De acordo com a decisão do Carf, esse conceito seria mais amplo, devendo ser levado em conta o que é insumo segundo o regulamento do Imposto de Renda. O voto do conselheiro relator Gilberto de Castro Moreira Júnior, acompanhado pelos demais, descreve que, para fins de classificação de insumo do PIS e da Cofins, insumo é todo custo necessário, usual e normal na atividade da empresa. No caso julgado, uma fábrica de móveis gaúcha conseguiu derrubar multa por ter usado créditos sobre custos com material para manutenção de máquinas e equipamentos, como lubrificantes.

Assim, agora há maior possibilidade de uso de créditos pelas empresas, o que pode gerar redução da carga tributária. "É uma decisão administrativa, que também poderá ser usada como forte embasamento para as discussões hoje já existentes na esfera judicial", afirma o advogado tributarista Igor Nascimento de Souza, do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados. A banca vai usar a decisão em ações judiciais. "Se prevalecer esse entendimento, a arrecadação das contribuições pode cair."

O advogado Mauricio Barros, do escritório Gaia, Silva Gaede & Associados, entende que a decisão pode permitir a obtenção de créditos com energia elétrica, aluguel, depreciação de ativo imobilizado e benfeitorias. Recentes soluções de consultas da Receita Federal rejeitaram o aproveitamento de créditos sobre gastos dessas espécies.

O advogado Luiz Rogério Sawaya Batista, do escritório Nunes e Sawaya Advogados, comemora mais um julgamento nesse sentido. Essa é a segunda decisão do Carf favorável aos contribuintes. "É comum ter empresas que optam por usar o crédito e aguardar eventual autuação. A decisão do Carf será uma importante ferramenta de defesa", afirma. O tributarista explica que não deve ser aplicado o mesmo critério da lei do IPI porque a não cumulatividade do PIS e da Cofins é distinta. "O sistema não cumulativo do PIS e da Cofins foi criado justamente para que a carga de impostos não se sobrepusesse a cada fase da cadeia produtiva."

Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o conceito aceito pela 3ª Seção do Carf é amplo demais. O procurador-chefe da Fazenda Nacional no Carf, Paulo Riscado, defende que deve ser aplicado o conceito de insumo estabelecido na lei do IPI. O órgão ainda decidirá qual tipo de recurso aplicará ao caso.

Fonte: Valor Econômico