quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A impossibilidade de questionamento das bases de cálculo do IRPJ e CSLL em processos de compensação, relativas a períodos atingidos pela decadência

* Ramon Tomazela Santos

1. Introdução

As pessoas jurídicas que apuram o IRPJ e a CSLL com base no lucro real anual estão obrigadas ao recolhimento de antecipações mensais, que podem ser calculadas com base na receita bruta da pessoa jurídica (estimativas mensais) (1) ou com base em balancete de suspensão e redução. (2) Como sabemos, o objetivo do Governo Federal com o recolhimento mensal por antecipação é manter a homogeneidade da arrecadação tributária, gerando fluxo de caixa mensal em favor da Fazenda Pública, (3) para que não seja preciso aguardar o encerramento do ano-calendário (4) para o recebimento dos valores de IRPJ e CSLL porventura devidos pelo contribuinte.

Ao final do ano-calendário, é possível que as antecipações mensais recolhidas pelo contribuinte, somadas às retenções na fonte sofridas ao longo do ano-calendário, ultrapassem os valores de IRPJ e CSLL efetivamente devidos pela pessoa jurídica. Nesta situação, os respectivos saldos negativos de IRPJ e CSLL poderão ser compensados pela pessoa jurídica nos anos-calendários subseqüentes com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB). (5)

Embora seja possível proceder a compensação com quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), na prática tributária verificamos que as pessoas jurídicas - talvez para evitar novos desembolsos de recursos financeiros - geralmente utilizam os saldos negativos de IRPJ e CSLL apurados em determinado ano-calendário para quitar, por meio de compensação, as estimativas de IRPJ e CSLL devidas no ano-calendário seguinte.

Esse procedimento adotado pelos contribuintes conduz a uma situação bastante peculiar, pois, ao analisar a liquidez e a certeza do crédito utilizado pelo contribuinte para fins de compensação, a Receita Federal deve confirmar a efetiva existência das antecipações e das retenções que compõem o saldo negativo informado pelo contribuinte em sua DIPJ.(6)

Porém, como as antecipações mensais podem ter sido quitadas com saldos negativos de períodos anteriores, o Fisco deverá retroceder no tempo com o objetivo de verificar se os saldos negativos anteriores também eram legítimos e passíveis de compensação pelo contribuinte. Em virtude dessa íntima relação de interdependência entre os períodos de apuração, percebe-se que, ao retroceder no tempo, eventual glosa realizada pelo Fisco em relação ao saldo negativo de um determinado ano-calendário acabará refletindo na composição dos saldos negativos apurados nos anos-calendários subseqüentes. (7)

Neste contexto, impende verificar se na análise da liquidez e certeza do crédito pleiteado pelo contribuinte por meio de Declaração de Compensação (DCOMP), o Fisco poderá recompor as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL relativas a períodos fulminados pela decadência, mas que repercutem em saldo negativo apurado em ano-calendário subseqüente, ainda não atingido pela decadência.

Ademais, convém lembrar que o Governo Federal, na tentativa de solucionar a celeuma, editou a Medida Provisória 449/08, vedando a transmissão de PER/DCOMP para a compensação de débitos relativos ao pagamento de estimativa mensal de IRPJ e CSLL. Porém, como essa restrição não foi aprovada pelo Congresso Nacional por ocasião de sua conversão na Lei 11.941/09, o tema continua atormentando os profissionais que atuam na área tributária. (8)

Em termos práticos, o presente estudo tem o objetivo de analisar a possibilidade de o Fisco efetuar ajustes nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL relativas a períodos passados (atingidos pela decadência), mas que repercutem nos créditos pleiteados pelos contribuintes em períodos futuros (ainda não decaídos), especificamente no âmbito da compensação de saldos negativos de IRPJ e CSLL.

2. A compensação dos saldos negativos de IRPJ e CSLL

Conforme verificado acima, ao optar pela apuração do IRPJ e da CSLL com base no regime do lucro real anual, a pessoa jurídica é obrigada a efetuar pagamentos mensais por estimativa em relação a cada mês do ano-calendário, mediante aplicação de um percentual sobre a sua receita bruta mensal.

Alternativamente, a pessoa jurídica poderá efetuar os pagamentos mensais com base em balancete mensal de suspensão ou redução, (9) podendo suspender ou reduzir os pagamentos do IRPJ e da CSLL devidos em cada mês, desde que demonstre que o valor pago durante o ano tenha sido suficiente para satisfazer o valor dos tributos devidos até aquele determinado mês.(10)

Como os fatos geradores do IRPJ e da CSLL são anuais, em 31 de dezembro da cada ano-calendário a pessoa jurídica deverá calcular os valores de IRPJ e CSLL efetivamente devidos, sendo que os respectivos saldos deverão ser pagos em quota única até o último dia útil do mês de janeiro do ano-calendário subseqüente, sem acréscimos legais, ou até o mês de março, com o acréscimo de juros de mora calculados à taxa SELIC.

Contudo, é possível que as antecipações mensais recolhidas pelo contribuinte, somadas às retenções de IRRF e CSLL sofridas ao longo do ano-calendário, ultrapassem os valores de IRPJ e CSLL apurados em 31 de dezembro. Nesta situação, os respectivos saldos negativos poderão ser compensados pela pessoa jurídica nos anos-calendários subseqüentes, nos termos do artigo 6º da Lei 9.430/96.

De fato, o artigo 6º da Lei 9.430/96, ao disciplinar a possibilidade de compensação do saldo negativo de IRPJ, estabelece que o saldo negativo apurado em 31 de dezembro pode ser compensado com o IRPJ a ser pago a partir do mês de abril do ano-calendário subseqüente, assegurada a alternativa do contribuinte requerer, após a entrega da declaração de rendimentos, a restituição do montante pago a maior. Veja-se:

"Art. 6º. O imposto devido, apurado na forma do art. 2º, deverá ser pago até o último dia útil do mês subseqüente àquele a que se referir.
§ 1º O saldo do imposto apurado em 31 de dezembro será:
(...)
II - compensado com o imposto a ser pago a partir do mês de abril do ano subseqüente, se negativo, assegurada a alternativa de requerer, após a entrega da declaração de rendimentos, a restituição do montante pago a maior".


Neste ínterim, relembre-se que as disposições legais aplicáveis ao saldo negativo de IRPJ foram estendidas à CSLL por força do artigo 28 da Lei 9.430/96. (11)

Alguns anos depois da edição da Lei 9.430/96, o Ato Declaratório SRF 03/00 fixou a possibilidade de compensação do saldo negativo de IRPJ a partir do mês de janeiro do ano-calendário subseqüente ao de sua apuração, acrescido de juros equivalentes à taxa SELIC, independentemente da data de entrega da antiga declaração de rendimentos. (12)

Após termos verificado que a legislação tributária autoriza a compensação dos saldos negativos de IRPJ e CSLL, relembre-se que, no expediente tributário, as pessoas jurídicas geralmente utilizam os saldos negativos de IRPJ e CSLL apurados em determinado ano-calendário para compensar as estimativas de IRPJ e CSLL devidas no ano-calendário seguinte. Porém, esse procedimento adotado pelos contribuintes conduz a uma relação de estreita vinculação entre os saldos negativos, o que obriga o Fisco a retroceder no tempo com o objetivo de verificar se os saldos negativos anteriores também eram legítimos e passíveis de compensação pelo contribuinte.

De modo geral, para verificar a legitimidade dos saldos negativos de IRPJ e CSLL pleiteados pelo contribuinte, o Fisco deverá (i) revisar as bases de cálculo apuradas pelo contribuinte por meio da análise de sua escrituração comercial e fiscal; (ii) confirmar os valores relativos às retenções na fonte sofridas pelo contribuinte e verificar se os respectivos rendimentos foram devidamente submetidos à tributação em sua DIPJ; e (iii) confirmar os recolhimentos relativos às antecipações de IRPJ e CSLL pagas ao longo do ano-calendário em questão.

As retenções na fonte de IRRF e CSLL podem ser confirmadas com certa facilidade nos sistemas de dados da Receita Federal do Brasil, por meio de simples cruzamento eletrônico entre as informações contidas na DIPJ e aquelas fornecidas pelas fontes pagadoras mediante preenchimento da Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF). (13) Caso haja divergência entre os valores informados pelo contribuinte e aqueles constantes nos sistemas da Receita Federal do Brasil, o contribuinte poderá comprovar as retenções de IRRF sofridas com base nos comprovantes de retenção ("Informes de Rendimentos") emitidos pelas fontes pagadoras ou quaisquer outros documentos idôneos que alcancem a mesma finalidade probatória. (14)

Com relação às antecipações mensais, a confirmação por parte da Receita Federal pode ser obtida por meio da análise da DIPJ e das DCTFs (15) apresentadas pelo contribuinte, acompanhadas dos respectivos DARFs ou DCOMPs, conforme tenham sido quitadas mediante pagamento ou compensação.

Diante deste cenário, percebe-se que, no âmbito do processo de compensação, o Fisco poderá efetuar uma ampla análise acerca do crédito pleiteado pelo contribuinte, com o objetivo de averiguar a sua liquidez e certeza. Porém, para que não haja qualquer violação aos direitos fundamentais dos contribuintes, é preciso demarcar os limites temporais de autuação das autoridades fiscais no âmbito dos processos de compensação.

3. As regras de compensação previstas na Lei 9.430/96

Como regra geral, o contribuinte que apurar crédito relativo a tributo ou contribuição administrado pela Receita Federal do Brasil, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele órgão, nos termos do artigo 74 da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei 10.833/03.

De acordo com a legislação em vigor, a compensação será efetuada mediante a entrega de Declaração de Compensação que contenha informações relativas aos créditos utilizados pelo sujeito passivo e aos respectivos débitos compensados, a qual extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua posterior homologação pela Receita Federal do Brasil. (16)

Em outro dizer, a Declaração de Compensação produz efeitos imediatos, embora se sujeite a posterior análise pela Receita Federal do Brasil. Assim, caso entenda ser indevida a compensação, a autoridade fiscal procederá a sua resolução, comunicando o sujeito passivo acerca da não-homologação da Declaração de Compensação, a fim de que ele efetue o pagamento do débito ou apresente Manifestação de Inconformidade no prazo de 30 dias contados a partir da ciência do respectivo Despacho Decisório.

Ainda em relação à homologação pela autoridade fiscal, o artigo 74, § 5º, da Lei 9.430/96 (17) estabelece que o prazo para apreciação da Declaração de Compensação será de cinco anos a contar da data de sua apresentação pelo contribuinte, sob pena de homologação tácita.

Porém, esse prazo de cinco anos delimita apenas o lapso temporal previsto na lei para que o Fisco aprecie a Declaração de Compensação, sob pena de sua homologação tácita, na medida em que o contribuinte, por uma questão de segurança jurídica, não poderia ficar eternamente ao alvedrio do Fisco, a espera de uma manifestação formal a respeito da compensação efetuada.

Desse modo, ao disciplinar o procedimento de compensação, a Lei 9.430/96 não estabeleceu qualquer regra demarcado os limites temporais em relação aos quais o Fisco poderia retroceder no tempo, com o objetivo de verificar se o contribuinte efetivamente faz jus ao aproveitamento do crédito pleiteado por meio de sua Declaração de Compensação.

Nada obstante a omissão do Poder Legislativo, entendemos que a ausência de uma regra expressa a respeito do assunto (na legislação que rege a compensação de tributos federais) não pode ser interpretada como um cheque em branco, apto a permitir que o Fisco retroceda a períodos remotos, com o objetivo de verificar se o contribuinte efetivamente tem direito ao crédito pleiteado em sua Declaração de Compensação. Ao contrário, a interpretação sistemática da legislação tributária parece conduzir à solução diversa, como se passa a demonstrar.

4. Da possibilidade de questionamento da formação da base de cálculo do IRPJ em processos de compensação

De acordo com o artigo 141 do Código Tributário Nacional (CTN), o lançamento é ato privativo da autoridade administrativa, que visa verificar a ocorrência do fato gerador, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, quando for o caso, aplicar a penalidade cabível.

Embora o lançamento seja ato privativo de autoridade administrativa, as normas que regem o lançamento por homologação atribuem ao sujeito passivo o dever de realizar os atos materiais relativos à apuração e ao recolhimento do tributo devido, independentemente de prévia manifestação por parte da Administração Tributária, que dispõe de um prazo de cinco anos para posterior homologação da atividade exercida pelo contribuinte. (18)

Na atividade de homologação, o Fisco deverá revisar os elementos fáticos e os critérios jurídicos utilizados pelo contribuinte na apuração do crédito tributário. (19) Para tanto, o artigo 150, § 4º, do CTN estabelece que a autoridade administrativa dispõe de cinco anos contados a partir do respectivo fato gerador para homologar, expressa ou tacitamente, a atividade exercida pelo contribuinte. Neste prazo de cinco anos, caso discorde dos atos materiais realizados pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação, o Fisco procederá ao lançamento de ofício, na forma prevista pelo artigo 149, inciso V, do CTN. Findo este prazo sem manifestação expressa por parte do Fisco, considera-se tacitamente homologada a atividade exercida pelo contribuinte, com a conseqüente extinção do direito de a autoridade administrativa (recusando a homologação) efetuar o lançamento de ofício.

Neste contexto, para que seja possível demarcar os limites temporais que cerceiam a autuação das autoridades fiscais no âmbito dos processos de compensação, é preciso investigar se o ato de homologação manifestado pela Administração Tributária no âmbito do lançamento por homologação tem por objeto somente o pagamento do tributo "antecipado" (20) pelo contribuinte ou se também alcança os atos materiais de apuração do crédito tributário realizados pelo sujeito passivo (v.g. a determinação da matéria tributável e o cálculo do tributo devido).

Caso a atividade de homologação recaia sobre a apuração do crédito tributário feita pelo contribuinte, é evidente que após o decurso do prazo decadencial para homologação, o Fisco não poderá mais recompor as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, ainda que no âmbito de eventual processo de compensação. Por outro lado, caso a atividade de homologação recaia apenas sobre o pagamento, será legítimo concluir que a apuração feita pelo contribuinte não foi objeto de homologação por parte das autoridades fiscais, o que implicaria em admitir a possibilidade de sua revisão em processos administrativos de compensação.

De acordo com a nossa interpretação da legislação tributária, o ato administrativo de homologação abrange todos os atos materiais realizados pelo contribuinte em substituição à autoridade fiscal. À luz do artigo 142 do CTN, esses atos materiais praticados pelos contribuintes no âmbito do lançamento por homologação envolvem a verificação da ocorrência do fato gerador, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante e do tributo devido, a sua identificação como sujeito passivo e, até, a indicação de eventual penalidade a ser aplicada. (21)

Com efeito, a homologação consiste na aprovação dada pela autoridade administrativa aos atos praticados pelos contribuintes no âmbito do lançamento por homologação, para que produzam os efeitos jurídicos que lhes são próprios. Assim, em sua acepção técnica, a atividade de homologação consiste na confirmação, pela autoridade competente, dos atos materiais praticados pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação, em substituição à autoridade fiscal.

Nesta linha, considerando que a homologação consiste no ato da Administração Tributária que chancela a atividade realizada pelo contribuinte, é evidente que o referido ato somente pode recair sobre a atividade material realizada pelo contribuinte em substituição à autoridade fiscal. A toda evidência, no lançamento por homologação, o contribuinte está, por assim dizer, substituindo o Fisco em sua função de efetuar o lançamento do crédito tributário, de forma que os efeitos da homologação atingem todos os atos materiais realizados pelo contribuinte em substituição à autoridade fiscal.

À luz deste raciocínio, percebe-se que o objeto da homologação não pode ser somente o recolhimento do tributo feito pelo contribuinte, uma vez que o pagamento constitui simples modalidade de extinção do crédito tributário, (22) atividade esta que sempre esteve sob a responsabilidade do contribuinte, e que não se confunde com a realização do lançamento. Logo, o ato administrativo de homologação atinge não apenas o pagamento realizado pelo contribuinte, mas também a própria apuração do respectivo crédito tributário.

Neste particular, ousamos discordar do entendimento manifestado pela professora Maria Rita Ferragut (23) em interessante estudo a respeito das modalidades de lançamento, no qual sustenta que o objeto do ato administrativo de homologação é somente o pagamento feito pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação. Veja-se:

"Entendemos que o objeto da homologação é o pagamento e não a norma individual e concreta colocada no sistema pelo contribuinte, documentando a incidência tributária e reunindo os elementos mínimos e necessários para documentar o débito do contribuinte e o crédito do Fisco".

Com o devido respeito à autoridade doutrinária da professora Maria Rita Ferragut, entendemos que o ato administrativo de homologação compreende toda a atividade material realizada pelo contribuinte em substituição à autoridade fiscal, incluindo a apuração do respectivo crédito tributário, por meio da determinação da matéria tributável e do cálculo do tributo devido.

Conforme se infere da simples leitura do artigo 150 do CTN, no âmbito do lançamento por homologação, o contribuinte, fazendo as vezes da autoridade administrativa, efetua a apuração do tributo devido e realiza a sua declaração formal ao Fisco, "antecipando" o pagamento do tributo devido. Assim, é evidente que os efeitos do ato de homologação praticado pela autoridade administrativa recaem sobre todo o procedimento de apuração do crédito tributário realizado pelo contribuinte, e não apenas sobre o pagamento.

Nesta perspectiva, cabe acrescentar que existem situações nas quais as pessoas jurídicas, ao efetuarem os ajustes relativos à determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, não apuram qualquer valor a recolher aos cofres públicos, em virtude da apuração de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL. Embora o tema seja controvertido na doutrina, (24) partilhamos do entendimento no sentido de que a falta de apuração de tributo a pagar não altera a natureza jurídica dos atos materiais realizados pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação. Em termos práticos, a única diferença é que, nesta situação, os atos materiais praticados pelo contribuinte serão mais restritos, pois não haverá o cálculo, nem o recolhimento dos respectivos tributos (IRPJ e CSLL), em virtude da apuração de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.

Em substancioso estudo, o professor Hugo de Brito Machado (25) sustenta que o objeto do ato administrativo de homologação não é o pagamento, mas sim a atividade de apuração do quantum devido realizada pelo contribuinte. Veja-se:

"Objeto da homologação não é o pagamento, mas a atividade de apuração do quantum devido. (...). Tendo o contribuinte desenvolvido a atividade de apuração, e feito a declaração do valor do tributo devido, certamente há o que homologar, sim. Aceitando tal apuração, a autoridade administrativa a homologa, e faz com isso o lançamento por homologação."

Em idêntico sentido, o professor Gabriel Lacerda Troianelli (26) ensina que atividade de homologação consiste na revisão da apuração do crédito tributário feita pelo sujeito passivo, nos seguintes termos:

"Bem se vê, portanto, que a atividade homologatória consiste na revisão da apuração do crédito tributário feita pelo sujeito passivo. A autoridade administrativa, ao tomar conhecimento dos elementos fáticos apresentados pelo sujeito passivo, como declarações, livros contábeis, fiscais, e conhecedora dos critérios jurídicos que, aplicados aos fatos, resultará na quantificação do tributo devido, verifica se o procedimento de apuração do crédito por parte do contribuinte foi correto."

Aplicando o entendimento acima ao processo de compensação, percebe-se que, embora Administração Tributária tenha o dever de verificar a liquidez e a certeza do crédito pleiteado pelo contribuinte em sua Declaração de Compensação, o Fisco não dispõe de prazo ilimitado para retroceder no tempo e revisar a apuração do crédito pleiteado pelo contribuinte. Ao contrário, o procedimento de revisão da apuração feita pelo contribuinte somente poderá ser feito dentro do prazo de 5 (cinco) anos de que dispõe a autoridade administrativa para efetuar a constituição do crédito tributário, contados a partir do fato gerador, nos termos do artigo 150, § 4º, do CTN.

Em breves linhas, se após a homologação o Fisco não pode efetuar o lançamento de ofício para a constituição de eventual tributo não declarado ou declarado a menor pelo contribuinte, também não terá ele legitimidade para a revisar as bases de cálculo apuradas pelo sujeito passivo e informadas em sua declaração fiscal. (27) Assim, após o decurso do prazo decadencial, o Fisco não poderá mais recalcular as bases de cálculo de IRPJ e CSLL apuradas pelo contribuinte, ainda que no âmbito de eventual processo de compensação, pois a homologação (expressa ou tácita) confere definitividade à apuração feita pelo contribuinte.

Dessa forma, entendemos que o Fisco somente poderá questionar os saldos negativos de IRPJ e CSLL informados na DIPJ do contribuinte dentro do prazo de que dispõe para a constituição do crédito tributário, tendo em vista que os resultados lançados pelo contribuinte em sua declaração tornam-se imutáveis com o decurso do prazo decadencial de cinco anos contados a partir do fato gerador. Em suma, a homologação, expressa ou tácita, confere definitividade aos atos materiais realizados pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação.

Sob o prisma da hermenêutica, a legislação deve ser interpretada a partir da premissa de que o ordenamento jurídico constitui um sistema consistente e coerente, (28) o que afasta a possibilidade de existência de um prazo para que a Administração Tributária discorde da apuração do crédito tributário feita pelo contribuinte e efetue o lançamento de ofício, e de outro prazo (ou ausência de prazo) para que Fisco reveja esta mesma apuração em eventual processo de compensação, com o objetivo de verificar a liquidez e a certeza do crédito pleiteado pelo contribuinte. A partir de tal reflexão, caso fosse possível pretender rediscutir a base de cálculo relativa a período atingido pela decadência, o Fisco entraria em contradição com sua própria conduta anterior, que homologou (ainda que tacitamente) toda a atividade material realizada pelo contribuinte em relação a determinado fato gerador.

Nesta linha de raciocínio, se o Fisco se manteve silente durante o prazo outorgado pela lei para que revisasse a apuração do resultado de um determinado período, sofrerá ele o ônus da preclusão em relação a este mesmo período, de forma que não poderá, a pretexto de analisar a existência de crédito pleiteado pelo contribuinte na Declaração de Compensação, recompor a base de cálculo do tributo relativo ao período decaído. (29)

Embora o tema ainda não esteja pacificado nos Tribunais Administrativos, o antigo Conselho de Contribuintes, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), proferiu elogiáveis decisões no sentido de que, na análise da existência de saldo a restituir ou compensar, o Fisco não pode efetuar quaisquer ajustes em relação aos fatos ocorridos em períodos atingidos pela decadência, como se pode verificar das ementas abaixo transcritas:

"CSLL - BASE NEGATIVA - AJUSTES NO PASSADO COM REPERCUSÃO FUTURA - DECADÊNCIA. Adicionar valores tidos como indedutíveis em um determinado período, provocando a diminuição do saldo de base negativa, embora resultando em efeitos futuros, na prática, equivale a efetuar um lançamento de ofício naquele período já atingido pela decadência. Vedação." (30)

"DECADÊNCIA. Não pode o Fisco, a pretexto de verificar a existência de saldo a restituir, reabrir a análise de fatos ocorridos em período já abrangido pela decadência do seu direito de constituir o crédito tributário." (31)

5. Conclusão

Em conclusão, a legislação tributária autoriza a compensação dos saldos negativos de IRPJ e CSLL apurados no encerramento do ano-calendário, o que deverá ser feito mediante a entrega de Declaração de Compensação pelo contribuinte, sob condição resolutória de sua posterior homologação pela Receita Federal do Brasil.

Embora o lançamento seja ato privativo de autoridade administrativa, as normas que regem o lançamento por homologação atribuem ao sujeito passivo o dever de realizar certos atos materiais que envolvem a verificação da ocorrência do fato gerador, a determinação da matéria tributável, o cálculo do montante e do tributo devido, a sua identificação como sujeito passivo e, até, a indicação de eventual penalidade a ser aplicada.

Como a homologação consiste no ato da Administração Tributária que chancela a atividade realizada pelo contribuinte, é evidente que o referido ato somente pode recair sobre a atividade material realizada pelo contribuinte em substituição à autoridade fiscal, e não apenas sobre o pagamento do respectivo tributo.

Por todo o exposto, conclui-se que, após o decurso do prazo decadencial, o Fisco não poderá mais recalcular as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apuradas pelo contribuinte, ainda que no âmbito de eventual processo de compensação, pois a homologação (expressa ou tácita) confere definitividade à apuração feita pelo contribuinte.

Notas

(1) Artigo 2º da Lei 9.430/96.

(2) Artigo 35 da Lei 8.981/95.

(3) Fazenda Pública é expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o aspecto financeiro do ente público (CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 8ª Edição. São Paulo: Dialética, 2010, p. 15).

(4) No regime de apuração do lucro real, os fatos geradores do IRPJ e da CSLL ocorrem no dia 31 de dezembro de cada ano-calendário (artigo 16 da Lei 7.450/85). No presente trabalho, adota-se o posicionamento defendido pelo professor Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual os fatos geradores são sempre instantâneos, por se aperfeiçoarem num determinando momento específico previsto na lei (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 300).

(5) Artigo 6º da Lei 9.430/96.

(6) Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ).

(7) Para o advogado José Henrique Longo, esse sistema de compensação constitui uma espécie de conta-corrente fiscal (cf. LONGO, José Henrique. Saldo Negativo de IRPJ decorrente de Estimativa Quitada por Compensação não Homologada. In: DIAS, Karem Jureidini; PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Compensação Tributária. São Paulo: MP Editora, 2008, p. 237).

(8) O tema foi objeto de acalorada discussão na mesa de debates do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), ocorrida em 21/10/2010.

(9) Artigo 35 da Lei 8.981/95.

(10) De acordo com o magistério de Ricardo Mariz de Oliveira: "(...) na verdade, a exigência legal é de recolhimentos das antecipações mensais pelo critério de estimativa, ficando reservada ao contribuinte a possibilidade de suspender ou de diminuir o valor de cada antecipação estimada mensal se provar, por balancete levantado em cada mês, que o lucro real até então apurado (desde 1º de janeiro do ano) é negativo ou inferior ao valor estimado (....)". OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 498.

(11) Artigo 28 da Lei 9.430/96. "Aplicam-se à apuração da base de cálculo e ao pagamento da contribuição social sobre o lucro líquido as normas da legislação vigente e as correspondentes aos arts. 1º a 3º, 5º a 14, 17 a 24, 26, 55 e 71, desta Lei."

(12) "A antecipação do momento a partir do qual os saldos negativos do IRPJ e da CSL podem ser compensados, de abril para janeiro de cada ano-calendário, decorre da modificação do prazo para entrega da DIPJ, que substituiu a declaração de rendimentos da pessoa jurídica, que passou a ser o último dia do mês de junho. Em virtude dessa modificação, deixou de fazer sentido manter o mês de abril como termo inicial da compensação daqueles saldos" (MATOS, Gustavo Martini de. A Compensação dos Débitos Relativos às Estimativas Mensais do IRPJ e da CSLL. A Extensão do inciso IX, do parágrafo 3º, do artigo 74 da Lei n. 9430/96. Revista Dialética de Direito Tributário nº 165, São Paulo: Dialética, 2009, p. 63).

(13) Apesar da nomenclatura, na DIRF também são informadas as retenções de CSLL, PIS e COFINS relativas aos pagamentos efetuados a outras pessoas jurídicas, nos termos dos artigos 30, 33 e 34 da Lei 10.833/03.

(14) De modo geral, o artigo 55 da Lei 7.450/85 exige a apresentação dos Comprovantes de Retenção para fins de aproveitamento do IRRF retido ao longo do ano-calendário. Porém, nada impede que em eventual discussão administrativa e/ou judicial a respeito do assunto, o contribuinte venha a comprovar as retenções de IRRF e CSLL por quaisquer outros meios de prova admitidos em Direito, como, por exemplo, as notas fiscais com destaque dos tributos, acompanhas dos extratos bancários que comprovam o recebimento dos valores líquidos (cf. Acórdão 104-21.609, da antiga 4ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes).

(15) Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF).

(16) Com a alteração trazida pela Lei 10.637/02, o § 2º do artigo 74 da Lei 9.430/96 passou a prever que a compensação declarada à RFB extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua posterior homologação pelas autoridades fiscais. Até então, a extinção da obrigação tributária não ocorria sem que houvesse a apreciação da compensação efetuada pela Receita Federal do Brasil.

(17) Artigo 74, § 5º, da Lei 9.430/96. "O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação".

(18) Segundo a posição da professora Maria Rita Ferragut, a interpretação sistemática do ordenamento jurídica leva à conclusão de que a lei confere competência para que o particular, nos casos de lançamento por homologação, declare - em linguagem competente - a ocorrência do fato jurídico e constitua a relação jurídico-tributária, ensejando um ato de aplicação de norma geral e abstrata ao caso concreto. Contudo, esse enunciado individual e concreto expedido pelo particular não pode ser considerado lançamento, por faltar a participação da autoridade administrativa competente. (FERRAGUT, Maria Rita. Crédito tributário, lançamento e espécies de Lançamento Tributário. In: DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 320-323.

(19) TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Compensação tributária: homologação do procedimento e dever de investigar. Revista Dialética de Direito Tributário nº 165, São Paulo: Editora Dialética, 2009, p. 29.

(20) A rigor, como o pagamento é feito após a ocorrência do fato gerador, este pagamento na verdade não é antecipado, pois a obrigação tributária já existe. Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Comentários aos artigos 156 a 164. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 2 (artigos 96 a 218), 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 373.

(21) No âmbito do lançamento por homologação, o contribuinte pode aplicar a multa de mora, mas não a multa de ofício.

(22) Artigo 156, I, do CTN.

(23) FERRAGUT, Maria Rita. Op. Cit., p. 322.

(24) "Ora, se inexiste valor a pagar (...), a discussão não é sobre se cabe ou não homologar-se essa situação. (...) Se não há o que pagar, e isso é verificado pela fiscalização, não há motivo para lançar-se coisa alguma". AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 353.

(25) MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Volume 3. São Paulo: Atlas, 2005, p. 183.

(26) TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Op. Cit., p. 29.

(27) LESSA, Donovan Mazza; FONSECA, Fernando Daniel de Moura. A homologação das bases tributáveis pelo decurso do prazo decadencial nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Revista Dialética de Direito Tributário nº 174, São Paulo: Editora Dialética, 2009, p. 30.

(28) SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2ª Edição. São Paulo: Dialética, 2006, p. 114.(29) LESSA, Donovan Mazza; FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Op. Cit., p. 31.

(30) 1º Conselho de Contribuintes - 7ª Câmara - Acórdão 107-06572, de 20.03.2002

(31) 1º Conselho de Contribuintes - 1ª Câmara - Acórdão 101-963377, de 18.10.2007

* Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados. Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: rtomazela@demarest.com.br

Fonte: Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 09 de Fevereiro de 2011

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