terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Atraso no pagamento de salários gera indenização por dano moral - Íntegra da decisão

Uma empresa deverá indenizar por danos morais um empregado que teve salários atrasados e, por conta disso, chegou a ter o nome inscrito nos cadastros de restrição ao crédito. A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT-RS), confirmando sentença Juíza Carla Sanvicente Vieira, da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Na mesma ação, o reclamante também havia conseguido, já no primeiro grau, a rescisão indireta do contrato do trabalho em decorrência desta falta do empregador.

No recurso contra o deferimento da indenização, a empresa alegou que o atraso no pagamento dos salários seria apenas dano patrimonial. A reclamada justificou que, para configurar dano moral, seria necessária prova robusta do dano alegado, bem como do seu nexo causal com o atraso dos salários.

Entretanto, para o relator do acórdão, Desembargador Hugo Carlos Scheuermann, embora os atraso salarial acarrete, em regra, apenas danos patrimoniais - sanados com a condenação ao pagamento das parcelas correspondentes - configura-se também o dano moral quando o atraso atinge a honra pessoal do empregado. No entendimento do Magistrado, este foi o caso do reclamante, ao ter seu nome inscrito nos cadastros do SPC e Serasa.

Há que se destacar também que não se trataram de atrasos pontuais em que o empregador comunica que em data futura estaria realizando o pagamento a fim de que o trabalhador pudesse fazer alguma programação pessoal com seus credores, mas de vários atrasos sem qualquer comunicação de possível pagamento, deixando o trabalhador em total insegurança quanto ao futuro, sem poder se programar destaca o acórdão.

Para comprovar os atrasos, o autor juntou ao processos extratos da conta bancária, da conta do Fundo de Garantia e do vale-refeição atrasado.

Processo nº 0012500-72.2009.5.04.0026

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Acórdão do processo 0012500-72.2009.5.04.0026 (RO)
Redator: HUGO CARLOS SCHEUERMANN

Participam: JOÃO PEDRO SILVESTRIN, FABIANO DE CASTILHOS BERTOLUCCI

Data: 16/12/2010 Origem: 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre
Versão em RTF | Andamentos do processo
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EMENTA: ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. DANO MORAL. Embora os atrasos no cumprimento das obrigações trabalhistas, em regra, acarretam apenas danos patrimoniais, sanados com a condenação ao pagamento das parcelas correspondentes, configura-se também o dano moral quando comprovado que o atraso no pagamento dos salários do reclamante não se limita a meros dissabores, mas sim, de atos que ultrapassaram a linha do patrimônio, atingindo sua honra pessoal, vez que comprovada sua inscrição nos cadastros de restrição ao crédito justamente em razão da impontualidade do empregador. Mantida sentença que reconheceu o dano moral e fixou indenização. Recurso da reclamada a que se nega provimento.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pela MM. Juíza Carla Sanvicente Vieira, da 26ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA SÃO PAULO - CELSP e recorrido CLEDSON MACHALOWSKI PEREIRA.

A reclamada, inconformada com a sentença de procedência parcial (fls. 208-13 e 227-8), interpõe recurso ordinário (fls. 231-5).

A recorrente busca a reforma da decisão recorrida quanto à indenização por danos morais.

Com contrarrazões do reclamante na fl. 243, os autos são encaminhados a este Tribunal para julgamento.

É o relatório.

ISTO POSTO:

DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

O Julgador da origem condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais equivalente a R$ 1.200,00, na forma da Súmula 50 deste Tribunal.

Para tanto considerou que, tendo ocorrido constantes atrasos no pagamento dos salários, por óbvio que o reclamante foi alvo de sentimentos de insegurança quanto ao futuro, além de restar comprovado que o fato ensejou diversas cobranças de crédito, sendo no caso presumível o abalo moral.

A reclamada, inconformada, alega que o dano moral não pode ser presumido, sendo necessária a existência de prova robusta acerca do nexo causal e do alegado dano. Destaca que não existe prova da alegação da inicial quanto à sua inscrição no SPC em razão dos atrasos no pagamento dos salários, transcrevendo jurisprudência no sentido de que a situação descrita não enseja a pretendida indenização. Insiste que o atraso no pagamento dos salários é dano patrimonial que não enseja presunção da ocorrência de dano moral. Pede sua absolvição.

Examina-se.

Na emenda à petição inicial de fls. 49-50, o reclamante sustenta que até aquela data não havia recebido o salário de janeiro e de março de 2009, além de o vale-alimentação estar atrasado desde setembro de 2008. Que tais atrasos lhe trouxeram sérias dificuldades financeiras, porque não tem data certa para receber o salário, além de estar sem receber o salário, tendo que arcar com custos de alimentação e com medicação para o diabetes que é portador. Sustenta, mais, que por causa da situação que está sendo submetido pela reclamada, foi incluído no cadastro de mal pagadores SPC e SERASA. Por tais fundamentos, pede o pagamento de indenização por danos morais no valor de 50 salários mínimos.

O reclamante juntou prova documental, consistente em consulta ao seu crédito, constando restrição no SPC na fl. 51, várias notificações de débito pelo SERASA nas fls. 52-3, extrato do FGTS sem qualquer depósito pela empregadora na fl. 54, extrato do vale-refeição em atraso na fl. 55, extrato de sua conta bancária com pagamento de salários em atraso nas fls. 56-9.

A reclamada contrapôs em defesa que o reclamante não faz prova de sofrimento ou constrangimentos e que eventual dano é meramente patrimonial (fls. 68-9).

Não houve produção de outras provas a respeito da pretensão, destacando-se que na segunda audiência as partes informaram que o reclamante recebeu o salário de janeiro em 08-05-09 e o salário de março em 30-04-09 (fl. 60).

Há que se destacar que o reclamante requereu a rescisão indireta em razão do descumprimento contratual alusivo aos atrasos no pagamento dos salários, do vale-alimentação e ausência de depósitos do FGTS, o que restou comprovado nos autos, tendo a sentença reconhecido a rescisão contratual por culpa da reclamada na data de 15-04-2009, data da primeira audiência, em que o reclamante anunciou que deixaria de prestar serviços, com a concordância da reclamada, que inclusive anotou a baixa da CTPS (fl. 41) - sentença, fl. 208v-9.

Feitas tais considerações, destaca-se que a Constituição Federal, em seu art. 5º, X, dispõe que "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação." O dano que o reclamante pretende ver reparado é aquele definido doutrinariamente como dano moral direto, que na conceituação de Maria Helena Diniz (Responsabilidade Civil, SP, Saraiva, 1988, p. 73), citada por Glaci de Oliveira Pinto Vargas (in Reparação do Dano Moral - Controvérsias e Perspectivas, Porto Alegre, Ed. Síntese, p.17), "Consiste na lesão a um interesse que visa à satisfação ou ao gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (o nome, a capacidade, o estado de família)". Entende-se por dano moral, em síntese, todo sofrimento humano que não resulta de uma perda pecuniária, mas de afronta a direitos de personalidade.

Na hipótese, a alegada lesão reside nos efeitos conexos do contrato de trabalho e, portanto, não basta apenas a alegação do ato ilícito, devendo ser comprovado o fato constitutivo do direito, qual seja, o nexo de causalidade entre o fato gerador da lesão, a lesão em si e a conduta e a culpa do empregador.

E desse ônus se desincumbiu o reclamante.

Embora os atrasos no cumprimento das obrigações trabalhistas, em regra, acarretam apenas danos patrimoniais, sanados com a condenação ao pagamento das parcelas correspondentes, no caso, configura-se também o dano moral porquanto comprovado que o atraso no pagamento dos salários do reclamante não se limita a meros dissabores, mas sim, de atos que ultrapassaram a linha do patrimônio, atingindo sua honra pessoal, vez que comprovada sua inscrição nos cadastros de restrição ao crédito justamente em razão da impontualidade do empregado.

Ao contrário do que alega a reclamada, o reclamante fez prova de que, por causa da inadimplência salarial, foi cadastrado no SPC pelos credores Hipercard e Banco ABN Amro Real (fl. 51), além de ter recebido notificações do SERASA de que teria seu nome incluído no rol dos inadimplentes (fl. 52-3), documentos alusivos à época em que os atrasos nos pagamentos dos salários iniciaram, trazendo um “efeito cascata” à vida do trabalhador, que depende unicamente de seu salário para prover sua subsistência.

Há que se destacar também que não se trataram de atrasos pontuais em que o empregador comunica que em data futura estaria realizando o pagamento a fim de que o trabalhador pudesse fazer alguma programação pessoal com seus credores, mas de vários atrasos sem qualquer comunicação de possível pagamento, deixando o trabalhador em total insegurança quanto ao futuro, sem poder se programar. Note-se que o salário de janeiro/09 foi pago apenas em abril/09 e ainda que em janeiro/09 o reclamante tivesse recebido o salário de dezembro/08 no dia 20-01-09 (extrato da fl. 56), certamente a impontualidade “quebrou” toda a programação mensal para o pagamento de contas, observando-se dos contracheques a existência de dois empréstimos em consignação (fls. 57-9).

Daí que acertadamente assentou a sentença, enquanto reconhece a ocorrência de dano à índole moral do reclamante, condenando a reclamada ao pagamento de indenização no valor de R$1.200,00, valor razoável e que não soma nem dois salários do obreiro. Coaduna-se com a Julgadora da origem que fundamenta que “ (...) conclui-se pela ocorrência de dano moral ao reclamante, porque confirmados diversos atrasos no pagamento dos salários, trazendo, por certo, ao reclamante, sentimentos de insegurança quanto ao futuro, além de restar comprovado que estes atrasos contribuíram para que o reclamante passasse a sofrer diversas cobranças de créditos (fls. 51-53), sento presumido o dano moral.” - fl. 211.

Por conseguinte, tendo-se por comprovado que o atraso no pagamento dos salários transbordou da esfera patrimonial para a pessoal, atingindo a honra do trabalhador pela inclusão de seu nome nos cadastros de restrição ao crédito, a sentença que condena a indenização respectiva deve ser mantida.

Nega-se provimento ao recurso da reclamada.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso ordinário da reclamada.

Intimem-se.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2010 (quinta-feira).

DES. HUGO CARLOS SCHEUERMANN
Relator

Fonte: TRT da 4ª Região

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