terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Estado pode arbitrar valor de estorno de ICMS

Se a empresa não comprova o exato valor das operações feitas ou a inexistência do fato gerador da obrigação tributária, o Estado pode arbitrar o estorno de crédito do imposto pela mercadoria que não circulou, por ter estragado ou extraviado. Foi o que entendeu a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao negar os pedidos do Carrefour contra a execução fiscal movida pelo Estado.

A Câmara entendeu que, de fato, é obrigatório o estorno e a não aplicação do crédito fiscal em relação às mercadorias que vierem a estragar ou extraviar. “No caso, não houve a circulação da mercadoria, que apenas entrou no estabelecimento, mas não foi vendida porque pereceu, deteriorou-se ou extraviou-se, não se aplicando o critério da compensação, inexistindo qualquer ofensa à Constituição Federal ou à legislação aplicável”, disse, na decisão, a relatora do recurso do Carrefour, desembargadora Leila Albuquerque.

Entretanto, conforme a desembargadora, o artigo 23, da Lei Complementar 87/96, condiciona a compensação à documentação idônea, não afastando a obrigatoriedade do estorno nas situações previstas em lei. “Assim, se ocorreu uma compensação do imposto tributado em operação anterior com o tributo a ser pago na operação posterior e se nessa operação a mercadoria se perdeu no estabelecimento, o crédito fiscal correspondente deve ser estornado, pois não houve a operação típica de circulação da mercadoria a ensejar o creditamento, pois a mercadoria não saiu do supermercado, lá deteriorando-se”, disse.

A empresa, segundo a decisão, disse que não fez o estorno, por entender que este só vale para itens hortifrutícolas. Como não indicou o valor das mercadorias estragadas, o Estado arbitrou em 2% sobre o valor das entradas de mercadorias para comercialização, referentes a um determinado período de tempo, após análise dos créditos regularmente escriturados pela empresa.

Os desembargadores também rebateram o argumento da empresa de que a apuração do valor se deu entre 2003 e 2006, sendo que a empresa foi autuada por débitos dos anos de 1998 e 1999. Segundo a empresa, não há obrigação legal para manter os documentos por tantos anos. Já para a Câmara, a empresa teve oportunidade de apresentar os valores no curso do processo administrativo. Segundo os desembargadores, era necessário que a empresa comprovasse que o percentual aplicado era desproporcional.

Em primeira instância, o juiz João Luiz Amorin Franco, da 11ª Vara de Fazenda Pública do Rio, julgou os pedidos da empresa improcedentes. “É importante que, se mantenha um controle das perdas e, se for o caso, procure fazer um seguro nesse sentido, porque, além de ter que arcar com o prejuízo causado pelo furto, roubo, inutilização ou deteriorização de mercadorias, as empresas deverão, por lei, também, estornar de suas escritas os créditos fiscais oriundos da aquisição dessas mercadorias, a fim de não serem penalizadas, tudo com espeque no artigo 37 da Lei Estadual 2.657/96”, explicou o juiz na sentença.

A Câmara só modificou a decisão de primeira instância por conta de um erro no arbitramento dos honorários de sucumbência. Entre R$ 35 mil, número da sentença, e R$ 30 mil, escritos por extenso na mesma decisão, a 18ª Câmara do TJ fixou os honorários em R$ 30 mil.

Clique aqui para ler a decisão

Fonte: Conjur

Credor tem direito de compensação da mora

* Por Eduardo Antunes Faria

O Supremo Tribunal Federal, após 10 anos, julga como definitiva a Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida contra a íntegra do artigo 2º da Emenda 30 do ano de 2000, que acresceu o artigo 78 aos Atos das Disposições Constitucionais e Transitórias.

A redação dada ao artigo pela Emenda preconizava, dentre outras coisas, a possibilidade de liquidação dos precatórios pendentes de pagamento na data da promulgação, bem como aqueles que decorriam de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo de 10 anos.

Tal previsão possibilitava a procrastinação para pagamento de precatórios, por 10 anos e, justamente depois de se passarem 10 anos da promulgação da Emenda, é que o STF declara a inconstitucionalidade da matéria.

A Constituição da República garante, nos casos em que a Fazenda Pública for condenada a pagar quantia certa (sentença transitada em julgado), o pagamento do precatório pendente, no máximo, até o final do exercício seguinte. De acordo com o entendimento majoritário da Suprema Corte, introdução de regra excepcional, privilegiando o Estado, não poderia ser acolhida especificamente no que se refere aos títulos pré-existentes.

Por maioria de votos, foi suspenso o trecho do artigo mencionado que dizia o seguinte: “os precatórios pendentes de pagamento na data de promulgação desta Emenda”, considerando-se inconstitucional a possibilidade de parcelamento de precatórios que pendiam de pagamento na época da promulgação da referida Emenda.

Vale lembrar que existem dois efeitos possíveis após a declaração de inconstitucionalidade de alguma norma. Aquele que retroage desde o surgimento da norma inconstitucional (ex tunc) e aquele que gera consequências a partir da declaração de inconstitucionalidade (ex nunc).

Sendo assim, para aqueles casos em que fora parcelado o débito, é evidente que o Estado constituiu-se em mora, principalmente diante da ausência de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, encampando, por óbvio, a regra de retroatividade.

Em síntese, a prerrogativa de parcelamento referente aos precatórios pendentes de pagamento, declarada inconstitucional como o foi, nunca existiu para os fins de direito.

Destarte, é devido a cada credor que teve seu precatório parcelado, a compensação da mora, pelo simples fato de que o pagamento feito de forma diferida, considerado hoje como atrasado, constitui o Estado, seja ele qual for, em mora.

Ressalva-se, porém, que não se pode pretender um enriquecimento ilícito. O dispositivo da ADCT já dispunha sobre a incidência de juros legais e correção monetária, mas não se referia, neste caso, ao atraso no pagamento, como de fato ocorreu em virtude da declaração de inconstitucionalidade.

* Eduardo Antunes Faria é integrante do escritório Antonelli & Associados Advogados.

Fonte: Conjur

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Nova lei sobre CSLL não esvazia decisão transitada

* Por Fernanda Donnabella Camano de Souza

Em junho passado, a questão sobre a perpetuação, no tempo, da coisa julgada em matéria tributária veio mais uma vez à tona por meio de audiência pública promovida pelo Centro de Altos Estudos (CEAE) da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, cujo objetivo foi o debate do tema “A cessação dos efeitos da coisa julgada em face de superveniente decisão do STF em matéria tributária”.

Contudo, tal discussão não é nova. Assim é porque em 1994, a Procuradoria da Fazenda Nacional editou o Parecer 1.277, por meio do qual afirmou que tanto a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal declarando constitucional a Lei 7.689/1988 (exceto para o ano-base de 1988), quanto as alterações legislativas subsequentes, seriam capazes de paralisar os efeitos da coisa julgada para o futuro.

Noutros termos, referido parecer minimizou os efeitos da decisão definitiva advogando a ideia, tão debatida atualmente, da relativização da coisa julgada, que encontra apoio nas vozes de diversos processualistas, especialmente em razão da introdução do parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil em 2005[1], que trouxe a regra no sentido de que o título executivo judicial pode ser desconstituído por meio de embargos, caso haja decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido diverso ao que lhe deu origem, independentemente do prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória.

Portanto, este trabalho não tem por escopo analisar com profundidade a polaridade doutrinária sobre a relativização da coisa julgada, mas sim defender este instituto quando o contribuinte vence a demanda judicial com o Fisco para se ver desobrigado de recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido mas, por argumentos diversos, exigi-se dele o mesmo tributo nos períodos subsequentes ao trânsito em julgado, em total desrespeito ao que restou decidido pelo Poder Judiciário.

Além de analisar a questão sob a ótica do direito positivo, ainda que em breves linhas, investigaremos a evolução da jurisprudência emanada pelo Superior Tribunal de Justiça[2], para concluir que subsiste hígida a decisão passada em julgado no futuro.

É o que se passará a expor.

Os limites objetivos da coisa julgada

O fenômeno da coisa julgada no Direito positivo brasileiro encontra-se previsto no inciso XXXVI do artigo 5º da Carta de 1988, nos seguintes moldes: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

Logo de início, vê-se que a coisa julgada constitui um fenômeno a outorgar estabilidade às situações jurídicas colocadas sob seu manto, o que quer dizer que, mesmo diante da dinâmica das interações humanas e da contínua produção de preceitos jurídicos, a situação já decidida pelo Poder Judiciário ganha a chancela da segurança necessária à sustentação do Estado Democrático de Direito.

De outra parte, o Código de Processo Civil outorga contorno ao instituto, conforme se verifica do artigo 467[3] e seguintes.

Assim é que, quando a decisão proferida pelo órgão Judicial não se apresenta mais passível de impugnação via recursos ordinário ou extraordinário, como alude o Estatuto Processual — tornando-se indiscutível estabiliza-se o conteúdo da decisão prolatada, não podendo mais a questão antes controvertida e submetida ao crivo do Poder Judiciário ser novamente suscitada pelas partes.

Lourival Vilanova pondera que, “desde que a sentença terminativa do processo de cognição adquira o grau de coisa julgada, os efeitos processuais incidem na relação de direito material. (...) Impede-se a relação material de percorrer, outra vez, o caminho da cognição jurisdicional, pois sobre ela já se pronunciou, por último e com definitividade, o órgão Julgador. Deu-se-lhe a segurança de ser a pretensão exigível, a necessidade normativa de seu cumprimento.”[4] Ora, se as partes, mesmo diante do Poder Judiciário, não se encontram autorizadas a rediscutir a situação jurídica objeto de decisão anterior, muito menos poderão, por si mesmas, questionar o conteúdo e a respectiva sujeição ao comando sentencial, ainda que aleguem a introdução de novo preceito na ordem jurídica, que venha a “prejudicar” o que foi decidido.

Uma vez passada em julgado determinada decisão, dispõe o artigo 468 do Código de Processo Civil que esta tem força de “lei entre as partes” nos limites da lide e das questões decididas, somente podendo ser alvo de impugnação, pelo sistema processual civil brasileiro, por intermédio da Ação Rescisória (e nas hipóteses veiculadas nos incisos do artigo 485 do Código de Processo Civil, observado o biênio preclusivo).

Ao prescrever que a decisão que julga a lide tem “força de lei” nos limites do que acerca dela (lide) se decide, fixando — positivamente — o que da decisão transita em julgado, o artigo 468 do Código Processual Civil deve ser interpretado em consonância ao artigo 469 caput e seus incisos, que diferentemente traz o que não transita em julgado, nos seguintes termos:

“Não fazem coisa julgada:

I — os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; (...)”

Contudo, impõe-se uma advertência absolutamente necessária. Muito embora se verifique que o raciocínio que leva o Julgador a decidir a lide não seja coberto pela definitividade, a interpretação construída a partir do artigo 468, complementado pelo 469 e incisos do Codex processual, deve ser capaz de outorgar aplicabilidade ao fenômeno, sob pena de se tornar inútil, não alcançando o escopo de garantir estabilidade à situação litigiosa já definida pelo Poder Judiciário. E o que isto significa?

Pode ocorrer que, se nos ativermos tão somente ao dispositivo da sentença, sem nos atentarmos aos fundamentos de decidir do órgão Julgador (na medida em que, por serem motivos, não se consideram elementos componentes do dispositivo), aquele poderá tornar-se ininteligível em termos de qual deve ser o comando a ser obedecido pelas partes.

Noutro giro, o dispositivo contido na decisão pode ser mais bem compreendido à luz dos fatos e dos fundamentos jurídicos deduzidos pelo autor, bem como à luz dos motivos exarados pelo órgão judicial (muito embora estes não estejam alocados geograficamente na parte dispositiva da decisão).

Nessa linha, aponta Enrico Tullio Liebman, cujas lições se mostram oportunas:

“A questão dos limites objetivos da coisa julgada é uma das mais controvertidas no direito brasileiro. Resolveu-a, na verdade, há muito tempo e de modo insuperável, Paula Batista (...) quando afirmou que ‘a autoridade da coisa julgada é restrita à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos’. Significa isso que os motivos da sentença não são objeto da coisa julgada, mas devem ser considerados para entender o verdadeiro e cabal alcance da decisão.”[5]

No mesmo sentido, podemos compreender o posicionamento adotado pelo ministro Luiz Fux, em voto proferido em outubro de 2008 (REsp 875.635/MG[6]):

“Destarte, conquanto seja de sabença que o que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, faz-se mister ressaltar que o pedido e a causa de pedir, tal qual expressos na petição inicial e adotados na fundamentação do decisum, integram a res judicata, uma vez que atuam como delimitadores do conteúdo e da extensão da parte dispositiva da sentença.”

Isso posto, verifique-se a evolução das decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça relativamente aos limites da coisa julgada em matéria tributária, especialmente no que concerne à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Da evolução da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas de Direito Público, possuía entendimento no sentido de que, como a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei 7.689/1988 não integrava o dispositivo da decisão passada em julgado, não haveria que se falar em inconstitucionalidade para o futuro capaz de fulminar a cobrança para além do período em que proferida a decisão transitado em julgado (um por todos, REsp 599.764/GO[7]).

Chegando à mesma conclusão, mas sob outro fundamento, foram prolatados julgados por meio dos quais a Corte Especial não acolhia o pleito dos contribuintes de extensão no tempo da decisão definitiva, pelo argumento de que, quando foi exarada, o Poder Judiciário havia apenas analisado a legislação vigente à época da discussão, de forma que ocorrendo a mera alteração do quadro fático ou normativo (sem se aprofundar no que consistiria tal alteração), a coisa julgada se tornava sem efeitos a partir de então (AgRg no REsp 703.526/MG[8]).

Assim, os julgados acabavam por aplicar de forma indistinta o verbete da Súmula 239 do Supremo Tribunal Federal cuja redação é “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.”

Tais decisões datam de 2003 a 2005.

Contudo, ao analisar o REsp 731.250/PE[9] (em abril 2007), a ministra Eliana Calmon chamou a atenção para a real extensão daquele verbete indicando que os limites no tempo dos efeitos da coisa julgada dependerão de duas verificações: (i) quais são os fatos e os fundamentos jurídicos trazidos pela parte à luz do decisum transitado em julgado, bem como (ii) qual o conteúdo das modificações normativas supervenientes à lei objeto de análise pelo Judiciário para saber se, em face delas, perdurará ou não para o futuro a decisão definitiva.

Ou seja, a ministra Eliana Calmon partiu da premissa de que é imperioso analisar, caso a caso, o que foi pedido e decidido e, em seguida, realizar o cotejo com o conteúdo da legislação superveniente. Veja-se trecho da ementa e do voto proferidos em sede do REsp 1.095.373/SP[10], em que fica evidente a necessidade de uma análise mais acurada no que diz respeito ao tema: “3. A superveniência de nova legislação dispondo sobre a relação jurídica objeto de anterior mandado de segurança pelo qual se afastou as disposições do decreto revogado pode atingir ou não o impetrante, tudo a depender dos limites do pedido e do comando judicial prolatado, bem como do teor das alterações legislativas ocorridas. VOTO: Ora, se à época da impetração vigia o Decreto 41.653/97 e o acórdão, apreciando a legislação de regência, entendeu pela invalidade do diploma infralegal, resta interpretar os decretos supervenientes para aferir se houve modificação relevante na legislação regulamentar, hábil a mitigar a eficácia da coisa julgada. Como realçado no precedente acima, somente as modificações legislativas de relevo têm eficácia para desnaturar a coisa julgada...”

Assim sendo, e aplicando tal premissa para decidir os casos postos ao seu crivo, a ministra Eliana Calmon enfrenta, por meio do REsp 731.250/PE, a discussão no sentido de saber se as modificações perpetradas à legislação instituidora da CSLL (Lei 7.689/1988) foram bastantes em si para paralisar os efeitos da coisa julgada formada nos autos de ação declaratória ajuizada por contribuinte.

Inicialmente, como dito, a ministra afasta a aplicação indistinta do verbete sumular 239 do Supremo Tribunal Federal invocando trecho do voto do então ministro Rafael Mayer[11] que delimitou o seu conteúdo:

“‘(...) Mas se a decisão se coloca no plano da relação de direito tributário material para dizer inexistente a pretensão fiscal do sujeito ativo, por inexistência de fonte legal da relação jurídica que obrigue o sujeito passivo, então não é possível renovar a cada exercício o lançamento e a cobrança do tributo, pois não há precedente vinculação substancial. A coisa julgada que daí decorre é inatingível, e novas relações jurídico-tributárias só poderiam advir da mudança dos termos da relação pelo advento de uma norma jurídica nova com as suas novas condicionantes.’”

Como consequência, a ministra circunscreve a causa de pedir posta na ação declaratória afirmando que a decisão acolheu o pedido sob o fundamento, além de vícios de índole formal (necessidade de edição de lei complementar), também por vícios materiais, atingindo o núcleo da hipótese de incidência, ou seja, o critério material da norma instituidora da CSLL (sem que tenha havido qualquer restrição do pedido a determinado exercício). Assim, dentre outras alegações, entendeu que tal contribuição não poderia ter o mesmo fato gerador (base de cálculo) do Imposto sobre a Renda, incorrendo na vedação do artigo 154, inciso I, da Constituição.

Prossegue a ministra efetuando o cotejo das leis modificativas da Lei 7.689/1988 com a decisão transitada em julgado, advertindo que aquelas apenas alteraram alguns aspectos da norma de incidência da CSLL, chegando à conclusão que a relação jurídica formada sob o bojo da novel legislação permanecia exatamente a mesma daquela objeto da decisão definitiva.

Conclui, portanto, que a coisa julgada permanecia hígida nos seus exatos termos porque foi fulminado o critério material da hipótese de incidência da CSLL e, também, porque as alterações supervenientes tão somente alteraram a alíquota e trouxeram novas adições/exclusões da base de cálculo do tributo mantendo, contudo, o mesmo núcleo material da regra então fulminado.

Tal decisão, inicialmente proferida pela 2ª Turma da Corte Superior, foi chancelada pela 1ª Seção do mesmo Tribunal, por meio dos Embargos de Divergência opostos pela Fazenda Nacional em sede daquele REsp 731.250/PE (assentada de maio de 2008), os quais foram rejeitados.

Veja-se trecho do voto do relator dos Embargos de Divergência mencionados, ministro José Delgado: “No entanto, no caso em apreciação, como antes demonstrado, o acórdão embargado está amparado em fundamento diverso, no sentido de que, para além da mera alteração de expressões nas diferentes legislações que regularam a CSLL, ou mesmo das alíquotas praticadas, não houve real mutação dos critérios, pressupostos e condições que já haviam sido objeto de expressa declaração de inconstitucionalidade.”

Por fim, os autos do processo foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal, por força de recurso extraordinário interposto pela Fazenda Nacional em face da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. E, na Suprema Corte, o RE 597.678 teve negado seguimento pelo ministro Joaquim Barbosa, por defeito processual, muito embora o ministro tenha encampado a tese da manutenção da coisa julgada para o futuro, transitando em julgado aos 9 de dezembro de 2010.

Do exposto, verifica-se que foram ultrapassados aqueles singelos argumentos então adotados de que uma vez que a motivação não integra o dispositivo, não haveria que se aplicar os efeitos da coisa julgada para o futuro, bem como de que bastaria a mera alteração legislativa para infirmar a coisa julgada.

E, chancelando tal entendimento, a mesma 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça analisou o AgRg no REsp 839.049/MG[12], em maio de 2009, cuja relatoria foi a do ministro Mauro Campbell (que não integrou aquele julgamento da 1ª Seção), aduzindo que após o julgamento da 1ª Seção houve alteração do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que passou a conceber que a novel legislação, nestas situações, manteria intactos os efeitos da coisa julgada. Desta decisão, foram opostos Embargos de Divergência pela Fazenda Nacional, indeferidos liminarmente por decisão monocrática proferida 8 de junho passado.

Não obstante a evolução da jurisprudência da Corte Superior, em decisão de relatoria do ministro Teori Zavascki (REsp 742.413/MG[13]), prolatada em novembro de 2008, este pontuou o tema dos efeitos prospectivos da coisa julgada, mas concluiu de forma diversa do que foi decidido pela 1ª Seção na assentada de maio de 2008.

No referido julgado, o ministro discorreu que, via de regra, a decisão passado em julgado colhe as situações submetidas à época ao Judiciário, ou seja, se refere àquele suporte normativo então existente e à determinada situação concreta a ele submetida. Tanto assim que deve ser aplicada a cláusula rebus sic standibus nessa situação, o que equivale a afirmar que a decisão produz efeitos enquanto não alterado o quadro normativo que compõe o silogismo da sentença.

Em continuação, chama a atenção no sentido de que, nas relações jurídicas de trato sucessivo, uma vez decidida determinada relação jurídica que se perpetua no tempo e tendo a sentença se pronunciado a respeito desta situação, a decisão definitiva colhe os eventos vindouros, até que sejam alterados o direito e o suporte fático de sua aplicação. Apoia seus argumentos em obra extensa elaborada por S. Exa. intitulada “Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional”, São Paulo: Ed. RT, 2001.

A posição do ministro se afigura mais restrita do que a defendida no julgamento da 1ª Seção, na medida em que da leitura de trecho de seu voto fica claro o raciocínio de que a mera alteração da regra posta à apreciação do Judiciário, sem que tal alteração se traduza em “de relevo”, substancial, como aludiu a ministra Eliana Calmon, teria o condão de descaracterizar a coisa julgada, especialmente em razão da presença da cláusula rebus sic standibus, até mesmo na interpretação da sentença prolatada diante de relações jurídicas de trato sucessivo.

Verifique-se trecho de seu voto:

“(...)

Discute-se, no especial, apenas qual teria sido o momento em que teria ocorrido dita alteração normativa. Segundo a recorrente, foi com a edição da LC 70/91, sendo irrelevantes as Leis 7.856/89, 8.034/90 e 8.212/91... O acórdão do TRF, porém, decidiu que as alterações promovidas por esses diplomas legais não estão compreendidos na decisão transitada em julgado, sendo válida a exigência da contribuição já após o advento do primeiro deles.

Tem razão o acórdão, portanto, ao fixar no advento da Lei 7.856, em 24.10.1989, o termo ad quem da eficácia da decisão transitada em julgado. Os preceitos normativos citados, supervenientes ao trânsito em julgado, não foram, nem poderiam ter sido, apreciados por aquela decisão. A alteração do quadro normativo, assim, fez cessar a eficácia vinculante daquele julgado.”

Em síntese, nesse julgado ficou decidido que se a regra nova — seja de que natureza for — não estiver compreendida pela decisão judicial passada em julgado, é o que basta para que os efeitos prospectivos da coisa julgada cessem.

E, na conclusão, diverge daquela adotada no julgado proferido pela 1ª Seção, ao apreciar a evolução das normas modificativas editadas à Lei 7.689/1988 afirmando que, porque o novo quadro normativo não foi objeto do decisum transitado em julgado, não poderia ter sido por ele alcançado. Portanto, compreendeu pela paralisação dos efeitos da sentença para o futuro.

Votaram com S. Exa. os ministros então integrantes da 1ª Turma, ou seja, os ministros Denise Arruda, Benedito Gonçalves, Francisco Falcão e Luiz Fux, acompanhando-o à unanimidade. Não consta terem sido opostos Embargos de Divergência pelo contribuinte, transitando o acórdão em julgado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, verifica-se que paira insegurança jurídica por parte do Poder Judiciário, na medida em que, muito embora tenha havido decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as alterações posteriores à Lei 7.689/1988 não foram capazes de paralisar os efeitos da coisa julgada no que tange às relações jurídicas de trato sucessivo, quando fulminado o critério material da hipótese de incidência da CSLL, a 1ª Turma proferiu decisão em sentido diametralmente oposto.

Para aclarar a posição de cada um dos ministros em face da questão, verifique-se o quadro a seguir:



Da análise da atual composição da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, não é possível vislumbrar qual será o desfecho da nova apreciação do tema pela Corte. Isto porque, pelo histórico analisado, há cinco ministros, do total de dez, votando no sentido de que a legislação superveniente não poderia alcançar as relações jurídicas continuativas para o fim de obrigar o contribuinte a pagar a CSLL, dado que o que se fulminou foi o critério material da hipótese de incidência da contribuição.

E, registre-se que tal matéria será novamente objeto de análise pela Corte Superior, por sua 1ª Seção, na medida em que foi determinado o processamento do RESP 1.118.893/MG sob a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (recursos repetitivos), isto é, trata-se de caso representativo desta controvérsia.

Da declaração de inexistência de relação jurídica entre o contribuinte e o fisco, concernente ao recolhimento da CSLL (Lei 7.689/1999)
Diversos contribuintes, no passado, ajuizaram ação declaratória em face da União para o fim de obter provimento jurisdicional no sentido de declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes no que concerne à exigência da CSLL (Lei 7.689/1988). Na maioria dos casos discorriam, em síntese, que a exigência perpetrada pela Lei instituidora da contribuição seria inconstitucional, por incorrer na vedação contida no artigo 154, inciso I, da Constituição, em razão de eleger o mesmo fato gerador do Imposto sobre a Renda (ainda que houvesse lei complementar), dentre outros argumentos.

Em muitos casos foi proferida sentença julgando procedentes os pedidos, nos termos requeridos.

Ora, como advertiu o mestre português João de Castro Mendes[16], apoiado nas lições de Savigny, da simples leitura (isolada) do dispositivo não se pode saber com exatidão qual o comando da decisão, sua extensão etc. Tais dados são fornecidos a partir da leitura dos fatos (empresa X “aufere lucro” e deve pagar a CSLL à União) e da causa de pedir (a Lei 7.689/1988 é inconstitucional seja no âmbito formal, seja materialmente por violação a diversos preceitos constitucionais), em conjunto à motivação do decisum.

Assim, analisando as razões de decidir à luz dos fatos e dos fundamentos jurídicos dos pedidos formulados pelos contribuintes, o que se observa é que, em muitos casos, os juízes sentenciantes acolhiam os pleitos com fundamento no vício material contido na norma instituidora da CSLL, em razão de o fato gerador ser idêntico ao do Imposto sobre a Renda, ainda que houvesse lei complementar para regular a contribuição, dentre outros motivos.

Em síntese, desnaturou-se o núcleo da hipótese de incidência no sentido de que a CSLL, conquanto tenha idêntico fato gerador do Imposto sobre a Renda, não poderia subsistir, a par de outros argumentos de índole formal.

Pergunta-se: quais são os fatos narrados na inicial? Na maioria dos casos, o fato de o contribuinte X “auferir lucro”, fato gerador da incidência tributária. E os fundamentos jurídicos? A Lei 7.689/1988 apresenta determinados vícios ao Texto Constitucional. E o pedido? Requer-se a declaração de inexistência de relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte que obrigue este último a recolher a CSLL.

Via de regra, os juízes federais, ao analisar a Lei 7.689/1988 e os vícios apontados pelos contribuintes ao Texto Constitucional, entendiam que tal norma seria inconstitucional, fulminando o critério material da regra matriz de incidência. E, em conclusão, julgavam procedentes os pedidos, nos termos em que requeridos.

Tais decisões acabavam sendo confirmadas pelos Tribunais (em sede de apelação da Fazenda/remessa oficial) e, após o regular trâmite nos Tribunais Superiores (quando tal fato ocorria), não eram modificadas, vindo a transitar em julgado.

A par do argumento de que os motivos não transitam em julgado, por certo dão o contorno e o entendimento do contido no dispositivo, sempre à luz da causa de pedir e do pedido postos pelo autor do processo.

Assim, se foi fulminado o critério material da hipótese de incidência do tributo porque havia ilegítima identidade com aquele estabelecido para o Imposto sobre a Renda, dentre outras considerações, o fato é que enquanto não houver alteração de relevo – como aduziu a ministra Eliana Calmon – não poderá haver a cobrança atinente às relações jurídicas continuativas – já que não houve restrição de exercícios no pedido.

Isto significa que, muito embora haja modificações na alíquota e na base de cálculo da contribuição, enquanto o fato material colhido pela norma de incidência for “auferir lucro”, o tributo não pode ser cobrado para aqueles contemplados por decisão judicial que o fulminou.

Diferentemente seria se o Poder Judiciário tivesse afastado a cobrança pela necessidade de edição de lei complementar. Desta forma, poder-se-ia sustentar que bastava o Poder Legislativo corrigir o vício para que nova cobrança pudesse ser efetuada, porque aí sim ter-se-ia alteração de destaque sem malferimento à coisa julgada.

Nesse sentido, até desnecessário seria a invocação do artigo 471 do Código de Processo Civil e, muito menos, a propositura de rescisória, pois bastaria a edição da lei complementar para que o Fisco pudesse aplicar a nova norma.

Portanto, enquanto subsistir no ordenamento jurídico a norma da CSLL, cujo aspecto material da hipótese de incidência é “auferir lucro” e, tendo a decisão transitado em julgado, sem restrição de tempo, fulminado tal critério, não há como as autoridades fazendárias ex officio efetuarem a cobrança do tributo, uma vez que há lei entre as partes vedando a aplicação daquela norma jurídica. Ora, caso tivesse sido declarada a constitucionalidade da cobrança, a ação deveria ser renovada em cada exercício? Por óbvio, a resposta é negativa. Destaque-se, inclusive, o artigo 156, inciso X, do Código Tributário Nacional, que determina ser causa extintiva do crédito tributário a decisão passada em julgado.

Assim, uma vez não tendo sido proposta a Ação Rescisória no biênio preclusivo, tais contribuintes têm o direito de não recolher a CSLL para os períodos futuros, i.e., sem restrições no tempo e para além dos limites da decisão passada em julgado.

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[1] A Lei 11.232/2005 conferiu a redação ao parágrafo único do artigo 741 e ao artigo 475-L, parágrafo 1º do Código de Processo Civil. E, a Medida Provisória 2.180-35, conferiu redação semelhante ao parágrafo 5º do artigo 884 da Consolidação das Leis do Trabalho.

[2] Prestigiaremos, neste estudo, as decisões do Superior Tribunal de Justiça, que atualmente tem proferido manifestações diversas sobre o tema, ao passo que a Suprema Corte, diferentemente, tem se posicionado pela ocorrência de violação reflexa ao Texto Constitucional (RE 581.107/MG, Rel. ministro Dias Toffoli, DJE – 027, publicado em 12/02/2010; RE 445.343/GO, Rel. ministro Joaquim Barbosa, DJE – 237, publicado em 18/12/2009). Sobre tema semelhante, identificamos, perante a Suprema Corte, os Recursos Extraordinários 586.068/RG e 590.880/CE, ambos versando sobre a possibilidade do título executivo judicial ser impugnado quando a lei ou o ato normativo que lhe deu suporte forem declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal (conforme parágrafo único do artigo 741 e parágrafo 1º do artigo 475-L, do Código de Processo Civil, e parágrafo 5º do artigo 884 da Consolidação das Leis do Trabalho). Além disso, a mesma questão vem sendo enfrentada por meio das ADIs 2.418 e 3.740.

[3] “Artigo 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

[4] Causalidade e Relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 208-209

[5] Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa Julgada (com aditamentos relativos ao direito brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 55.

[6] STJ REsp 875635/MG, Rel. ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16/10/2008, DJe 03/11/2008.

[7] STJ REsp 599764/GO, Rel. ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 08/06/2004, DJ 01/07/2004 p. 185.

[8] STJ AgRg no REsp 703526/MG, Rel. ministro Francisco Falcão, Rel. p/ Acórdão ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 02/08/2005, DJ 19/09/2005 p. 209.

[9] STJ REsp 731250/PE, Rel. ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/04/2007, DJ 30/04/2007 p. 301.

[10] STJ REsp 1095373/SP, Rel. ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 04/08/2009.

[11] STF RE 93.048/SP, Relator: Min. Rafael Mayer, Primeira Turma, julgado em 16/06/1981, DJ 14-08- 1981, p.17716.

[12] STJ AgRg no REsp 839049/MG, Rel. ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12/05/2009, DJe 27/05/2009.

[13] STJ REsp 742413/MG, Rel. ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 18/11/2008, DJe 24/11/2008.

[14] O ministro em questão proferiu decisão monocrática favorável aos contribuintes nos autos do Emb.Div. em RESP 839.049/MG.

[15] Tal ministro proferiu voto favorável aos contribuintes no AgRg. no RESP 839.049/MG.

[16] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil. Lisboa: Ática, 1968, p. 101 e 103

* Fernanda Donnabella Camano de Souza é sócia do escritório Souza, Schneider e Pugliese

Fonte: Conjur

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A prescrição de tributo inconstitucional - Só o Supremo tem competência para restringir os efeitos retroativos

* João Carlos Meza

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente reafirmou seu entendimento - Resp 1.002.932/SP (recurso repetitivo) - de que o prazo prescricional para a restituição do indébito tributário inicia com o pagamento feito pelo contribuinte, independentemente de declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como esse precedente não produziu efeito vinculante, sustentamos que ele poderá ser revisto, em razão de vício por ilegalidade. Isso porque o artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999, dispõe que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Portanto, somente o STF tem competência para restringir os efeitos retroativos da inconstitucionalidade. Vale lembrar que a Súmula Vinculante nº 10 do STF não permite que essa norma seja simplesmente afastada.

Em razão dessa competência que lhe era imanente, o STF sempre pautou o início da prescrição do indébito inconstitucional pela sua declaração com efeitos ex tunc e erga omnes - REXT nº 32.631-PR, 2ª Turma, 26/06/59, relator ministro Vilas Boas, in RT 295/709, e pelo menos outros 97 acórdãos (sítio eletrônico do STF), ao longo dos 46 anos que fluíram até a virada jurisprudencial promovida pelo STJ (ERESP 435.835/SC).

Destaque-se a vivência do ministro Sepúlveda Pertence na questão relacionada aos efeitos da inconstitucionalidade de tributos: "Certa vez, fui consultado por técnicos de determinado setor governamental sobre uma proposta de decreto-lei. Lembro ter dito: Este decreto-lei não passa pelo primeiro juiz de plantão, a inconstitucionalidade é bradante. A resposta foi mais ou menos assim: Quem somos nós, doutor procurador, para discutir questão de inconstitucionalidade com vossa excelência? Mas veja vossa excelência o que está ocorrendo com a questão constitucional "x". Há quatro anos, a União não teve sequer uma sentença, de qualquer instância, a seu favor; no entanto - dizia-me o técnico -, a arrecadação real está por volta de 85% do previsto, porque a grande maioria não vai a juízo. Sobretudo com os pequenos tributos é o que sucede, de tal modo que é grande o risco de estimular aventuras, se asseverar-se, mais ou menos em linha de princípio, que leis tributárias só se declararão inconstitucionais com efeitos ex nunc. Aí, provavelmente, a questão já estará morta" (Adin nº 1102-2/DF).

A história respaldava a preocupação do STF. Veja-se o desabafo indignado do ministro Luiz Octávio Gallotti, que bradou: "É preciso acabar com as inconstitucionalidades úteis" (discurso de posse na presidência do STF, 1993).

O próprio Valor Econômico, em 27 de setembro de 2006, mostrou como funciona essa "inconstitucionalidade útil" para o governo, que, num só tema, confiscou R$ 18,48 bilhões dos contribuintes ("Cofins abarrota tribunais e ações atingem R$ 35 bi").

Assim, como água e óleo não se misturam, a inconstitucionalidade declarada com seus efeitos plenos separa o indébito comum - aquele produzido diante da validade da norma matriz - da indenização devida pelo erário, a impor a restitutio in integrum, como sempre proclamou o Supremo Tribunal Federal: "Declarada, assim, pelo Plenário a inconstitucionalidade material das normas de natureza tributária, porque feita a título de cobrança de empréstimo compulsório, segue-se o direito do contribuinte à repetição do que pagou (Código Tributário Nacional, artigo 165), independentemente do exercício financeiro em que tenha ocorrido o pagamento indevido" (STF, RE nº 136.883-RJ).

Sustentar o contrário, sob o pálio da vertente doutrinária que entende declaratório o efeito da inconstitucionalidade, é, permitida vênia, defender a mais paradoxal das posições, pois somente o contribuinte impontual ou sonegador se beneficiaria da inconstitucionalidade, segundo o artigo 475-L, parágrafo 1º , do Estatuto Adjetivo: "Considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal."

Tal vertente doutrinária desconsidera o "efeito destrutivo" que a inconstitucionalidade produz na presunção de legalidade da norma e na confiança do jurisdicionado nos atos do Poder Público.

A se conferir maior nitidez à violação do artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999 pelo atual entendimento do STJ, pergunta-se: Se o STF tivesse declarado a inconstitucionalidade da obrigação tributária com efeito "ex nunc", poderia o STJ conceder ao contribuinte os últimos cinco anos de pagamento indevido? A nosso sentir, não.

* João Carlos Meza é advogado, especialista em direito tributário e sócio responsável pelo contencioso fiscal do Meza e Machado Calil Advogados

Fonte: Valor Econômico

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Receita não pode decretar quebra de sibilo bancário

A quebra do sigilo bancário só pode ser decretada por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, de acordo com a Constituição. Dessa forma, o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu, por cinco votos a quatro, que a Receita Federal não tem poder de decretar, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário do contribuinte, durante julgamento do Recurso Extraordinário interposto pela GVA Indústria e Comércio contra medida do Fisco, nesta quarta-feira (15/12).

Por meio do RE, a GVA defendeu que os dispositivos da Lei 10.174/2001, da Lei Complementar 105/2001 e do Decreto 3.724/2001 usados pela Receita para acessar dados da movimentação financeira da empresa não têm qualquer respaldo constitucional. O relator do caso, ministro Marco Aurélio, destacou em seu voto que o inciso 12 do artigo 5º da Constituição diz que é inviolável o sigilo das pessoas salvo duas exceções: quando a quebra é determinada pelo Poder Judiciário, com ato fundamentado e finalidade única de investigação criminal ou instrução processual penal, e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. “A inviabilidade de se estender essa exceção resguarda o cidadão de atos extravagantes do Poder Público, atos que possam violar a dignidade do cidadão”.

Marco Aurélio lembrou outra exceção aberta no julgamento do Mandado de Segurança 21.629, que atribuiu ao procurador geral da República a quebra do sigilo bancário, porém, em casos que tratarem de dinheiro público. “No entanto, o procurador não se confunde com a Receita. Essa medida não pode ser manipulada de forma arbitrária pelo poder público para promover uma devassa nas contas bancárias do contribuinte”. Ao final, o relator votou pelo provimento do RE.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, seguiu entendimento do relator. Ele destacou que a função tutelar do Poder Judiciário investe apenas aos juízes e aos tribunais a exceção de postular sobre a violação do sigilo de dados, o que neutraliza abusos do Poder Público. Para Celso de Mello, a intervenção moderadora do Poder Judiciário é a garantia de respeito tanto ao regime dos direitos e garantias fundamentais quanto à supremacia do próprio interesse público.

Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes, que negou provimento da Ação Cautelar interposta pela GVA para impedir a quebra de seu sigilo bancário pela Receita, mudou seu entendimento. Ele afirmou que, nesses casos, deve ser observada a reserva de jurisdição. Também seguiram o voto do relator os ministros Ricardo Lewandowski e o presidente do STF, Cezar Peluso.

Divergência

O ministro Dias Toffoli abriu divergência. “O caso é de transferência de dados sigilosos de um portador, que tem o dever de manter o sigilo, a outro portador, que deve manter o sigilo. Mesmo porque, a eventual divulgação desses dados fará incidir o tipo penal e permitirá todas as responsabilizações previstas em lei”.

Toffoli citou o parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição, que diz que, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”, para afirmar que o contribuinte tem obrigação, por força de lei, de apresentar a declaração de seus bens.

Seguiram o voto divergente o ministro Ayres Britto, que destacou que a Constituição prestigia a Receita Federal, e a ministra Cármen Lúcia. A ministra Ellen Gracie chegou a pedir vista, porém, como os ministros cogitaram conceder medida cautelar para que o objeto do RE não fosse perdido, uma vez que o julgamento seria suspenso até o ano que vem, a ministra optou por negar o provimento do RE.

Sustentação oral

A GVA foi representada pelo advogado José Carlos Cal Garcia Filho, sócio do escritório Cal Garcia Advogados Associados. Em sua sustentação oral, ele defendeu que a medida do Fisco ofende os incisos 10 e 12 do artigo 5º da Constituição, que dispõem sobre os direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem e ao sigilo. Segundo o advogado, a quebra de sigilo bancário deve ser solicitada para fins de investigação criminal, e não para fiscalização da Receita. “Deixo a sugestão para que seja exigida da Receita a apresentação de fundamentos que indiquem, pelos menos, a fraude fiscal para que se peça os dados financeiros do contribuinte”.

Já o procurador da Fazenda Nacional Fabrício de Albuquerque afirmou que o acesso só é permitido em processo administrativo fiscal, aberto por alguma motivação. No caso, o procurador alegou que, em 1998, a empresa faturou mais de R$ 30 milhões, porém, só declarou a renda em 2002. “Há maior motivação do que essa?”, questionou. O procurador afirmou ainda que a proteção da intimidade não pode ser garantia da impunidade.

Ação cautelar

O caso teve início com o comunicado feito pelo Santander à empresa GVA, informando que a Delegacia da Receita Federal do Brasil – com amparo na Lei 10.174/2001, da Lei Complementar 105/2001 e do Decreto 3.724/2001 – determinou ao banco, em mandado de procedimento fiscal, a entrega de extratos e outros documentos pertinentes à movimentação bancária da empresa relativa ao período de 1998 a julho de 2001.

A defesa da empresa entrou com mandado de segurança para evitar que as informações bancárias obtidas pela Receita, sem autorização judicial, pudessem ser utilizadas em procedimento de fiscalização conduzido pela Delegacia da Receita Federal em Ponta Grossa (PR).

O Tribunal Federal da 4ª Região negou a segurança e a questão foi submetida ao STF. Como o Recurso Extraordinário não possui efeito suspensivo, os advogados da GVA interpuseram medida cautelar, que foi deferida pelo Ministro Marco Aurélio. No entanto, no dia 24 de novembro, o pleno do Supremo cassou a medida, por seis votos a quatro. Agora, com o provimento do RE, a Receita não terá acesso direto aos dados financeiros da empresa.

RE 389.808

Fonte: Conjur

STF: ICMS na Base de Cálculo da COFINS

* Roberto Rodrigues de Morais

O STF noticiou que seus ministros devem julgar até o final do ano o mérito da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 18) que trata da permanência dos valores pagos a título de ICMS na base de cálculo do COFINS.

A disputa sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS foi considerada de "repercussão geral" pelo STF, podendo ser objeto de Súmula Vinculante. Nesse caso, o Judiciário e a Receita Federal ficariam obrigados a seguir o novo entendimento da futura súmula sobre a Exclusão do ICMS da Base de Cálculo da COFINS.

Tudo leva a crer que desta vez teremos o esperado julgamento do Plenário da Excelsa Corte, após vários adiamentos provocados por lobby do Governo, visando ganhar com a prescrição das parcelas pagas indevidamente pelos contribuintes que ainda não acionaram o Judiciário.

ENTENDA O CASO:

No RE n. 240.785-2/MG, cujo julgamento do recurso se arrasta desde 1999, da Relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, em fase de julgamento pelo STF, já existe maioria formada de votos 6 (seis) a 1 (um), quanto a não inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS.

Quando do pedido de Vista, em Sessão Plenária de 24/08/2006, estava assim a DECISÃO:

“O TRIBUNAL, POR MAIORIA, CONHECEU DO RECURSO, VENCIDOS A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA E O SENHOR MINISTRO EROS GRAU. NO MÉRITO, APÓS OS VOTOS DOS SENHORES MINISTROS MARCO AURÉLIO (RELATOR), CÁRMEN LÚCIA, RICARDO LEWANDOWSKI, CARLOS BRITTO, CEZAR PELUSO E SEPÚLVEDA PERTENCE, DANDO PROVIMENTO AO RECURSO, E DO VOTO DO SENHOR MINISTRO EROS GRAU, NEGANDO-O, PEDIU VISTA DOS AUTOS O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES. AUSENTES, JUSTIFICADAMENTE, OS SENHORES MINISTROS CELSO DE MELLO E JOAQUIM BARBOSA. FALARAM, PELA RECORRENTE, O PROFESSOR ROQUE ANTÔNIO CARRAZA E, PELA RECORRIDA, O DR. FABRÍCIO DA SOLLER, PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL. PRESIDÊNCIA DA SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE. PLENÁRIO, 24.08.2006”.

Faltam votar os Ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Celso Mello e Ellen Gracie. Portanto, a causa está praticamente perdida pelo Governo,

Pela razão acima foi ajuizada a ADC 18, visando reverter o caso. A não ser que algum dos Ministros que já votaram mude de entendimento, o que, segundo a Agência Estado, não há na história do STF caso de mudança de voto, os contribuintes podem continuar com expectativa de vitória no STF.

Para fortalecer seu Loby junto ao STF o Governo central conseguiu trazer os Governos Estaduais para a lide (embora não tenham interesse direto no caso). No dia do julgamento, com certeza, haverá verdadeira “tropa de choque” de Procuradores Estaduais fazendo a pressão psicológica sobre os Ministros presentes no Plenário.

A demora do julgamento já trouxe prejuízo aos contribuintes que ainda não ajuizaram ações visando obter exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS, uma vez que faz exatamente 48 meses que o julgamento estava 6 x 1 contrário ao Governo quando um pedido de vista interrompeu a Sessão do STF.

O LOBBY DO GOVERNO PARA MUDANÇA DE VOTO DOS MINISTROS:

Repercutiu negativamente na opinião pública. Algumas manchetes do feito do Executivo:

“JULGAMENTO DO ICMS: MANTEGA VAI AO STF PARA TENTAR EVITAR PREJUÍZO. E A JUSTIÇA VAI CEDER?” (Legis Consultor).

“Audiências privadas com ministros em continuação a uma romaria destinada a convencer o plenário da Corte” audiências privadas com os ministros Joaquim Barbosa (ainda não votou) e Ayres Brito.

“Corpo-a-corpo no Supremo”. A tropa de defesa do governo se reuniu com quatro ministros do Supremo Tribunal Federal, para tratar dos prejuízos aos cofres públicos se for derrubada a incidência do ICMS na base de cálculo da COFINS. Os departamentos jurídicos das empresas e o governo aguardam ansiosamente um posicionamento do STF sobre a questão (Blog de Débora Pinho, portal Exame).

E o contraditório, onde fica? Se o STF recebe Ministros do Governo deveria receber os Procuradores das Empresas e das Confederações e Federações que representam os interesses dos empresários.

Sobre a BASE DE CÁLCULO do ICMS vemos os seguintes os processos aguardando pauta:

RE 240785 (relator: MIN. MARCO AURÉLIO – distribuído em 17/11/1998 – quase 12 anos)

ADC 18 (relator: MIN. MENEZES DIREITO), e

RE 570203 (relator: MIN. GILMAR MENDES).

A sociedade condena a atuação de lobistas no Congresso Nacional, mas é o Governo o MAIOR de todos os lobistas, atuado nos outros dois Poderes Constitucionais.

A DEMORA DE UM JULGAMENTO paralisado em 6 x 1: Nesse tempo transcorrido entre a Plenária de 24/08/2006 até o julgamento ainda pendente um dos Ministros (que já votou) se aposentou e foi substituído pelo Ministro Menezes Direito, que faleceu e foi substituído por Dias Toffoli. Enquanto Presidente da República continuar nomeando Ministro do STF sempre ficará a dúvida da independência dos Ministros, por ele nomeados, quando julgarem causas do Governo.

PORQUE EXCLUIR O ICMS DA BASE DE CÁLCULO DA COFINS?

A questão é de fácil entendimento: Já que o ICMS, como tributo estadual, é considerado despesa do sujeito passivo da COFINS e, concomitantemente, receita do Erário Estadual, é injurídico tentar englobá-lo na hipótese de incidência desta COFINS e do PIS. A inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS resulta em tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte. Neste caso, o contribuinte, ao arcar com a obrigação tributária em comento, suporta uma carga tributária além do que está legalmente definido para o regular exercício da sua atividade econômica e aquém do que permite a Constituição Federal.

Ora, “se o ICMS é despesa do sujeito passivo da COFINS e receita do Erário Estadual, é injurídico tentar englobá-lo na hipótese de incidência desta exação. A inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS resulta em tributação de riqueza que não pertence ao contribuinte. Este, ao arcar com obrigação de tal ordem, suporta carga tributária além do que legalmente definido para o regular exercício da sua atividade econômica e além do que permite a Constituição Federal.” (Palavras da Des. Relatora do AMS. nº. 2007.38.03.002648-0, decisão em 13-11-2007, TRF-1ª Região).

O mesmo raciocínio aplicado à exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS se aplica ao PIS e, também, é cabível para excluir o ISS da base de cálculo das duas contribuições, pois referidos impostos correspondem as despesas do sujeito passivo das contribuições sociais previstas no art. 195, I, CF e, em hipótese alguma, receitas das empresas; entendimento que alcança também o PIS, pleito que é, por legislação, idêntico à COFINS.

Como ocorre com o ICMS, o ISS não será apropriado como receita, pois pertence ao ente tributante credor, as Prefeituras Municipais. O princípio é o mesmo, ou seja, ninguém fatura ou comercializa tributo: Apenas o retém na fonte (idêntico ao IRF dos assalariados, etc.. ).

Veja-se que os TRIBUNAIS SUPERIORES vêm, de há muito, depurando base de cálculo dos tributos.

Nesse sentido o TRF-1ª Região julgou que o ISS também não deve compor a base de cálculo da COFINS e do PIS. “O mesmo raciocínio aplicado à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, também, é cabível para excluir o ISS da base de cálculo destes dois tributos, pois referido imposto estadual corresponde a despesa do sujeito passivo das contribuições sociais previstas no art. 195, I, CF e, em hipótese alguma, receita; entendimento que alcança também o PIS, pleito que é, por legislação, idêntico à COFINS.” (AG 2007.01.00.010340-9/DF). Assim como ocorre com o ICMS, o ISS não será apropriado como receita, pois é pertencente ao ente tributante credor, as Prefeituras Municipais. O princípio é o mesmo, ou seja, ninguém fatura ou comercializa tributo.

Há uma tendência, tanto nos TRIBUNAIS REGINAIS FEDERAIS como no STJ e no STF, de enxugar a base de cálculo dos tributos, de valores que não representa faturamento dos Contribuintes.

CONCLUSÃO:

Acreditamos que continua viável a impetração de mandado de segurança pelos contribuintes do ICMS, com o objetivo de ver reconhecido o direito de exclusão, da base de cálculo da COFINS e Pis, como também de continuarem pleiteando a repetição/compensação dos valores relativos ao referido imposto Estadual, sem prejuízo da dos valores indevidamente pagos à União a título das contribuições da COFINS e do PIS.

A questão está posta. Resta aos contribuintes, tão sacrificados com o sempre crescente aumento da carga tributária, esperar que os Ministros da Excelsa Corte ajam com a ética e moral, escolhendo como entrar para a história: Seguindo na trilha de Joaquim José da Silva Xavier e não na de Joaquim Silvério dos Reis, o traidor.

* Advogado, TRIBUTARISTA Ex-Consultor da COAD Autor do livro COMO REDUZIR DÉBITOS PARA COM O INSS (Manual da Súmula Vinculante 8 do STF). E-mail: robertordemorais@gmail.com

Fonte: Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 15 de Dezembro de 2010.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Recolhimento de custas e emolumentos na Justiça do Trabalho sofre alterações

A partir de 1°/11, o pagamento das custas e emolumentos no âmbito da Justiça do Trabalho deverá ser realizado exclusivamente mediante GRU Judicial.

Isso é o que determina o ato conjunto 21/2010 TST.CSJT.GP.SG, divulgado no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho de 9/12/2010.

A migração da arrecadação de custas e emolumentos de DARF para GRU proporcionará aos Tribunais Regionais do Trabalho um melhor acompanhamento e controle, uma vez que, com o uso da GRU, será possível verificar cada recolhimento efetuado individualmente, por meio de consulta ao SIAFI, e obter informações sobre Unidade Gestora, contribuinte, valor pago e código de recolhimento.

• Confira abaixo o ato conjunto 21/10 na íntegra:

ATO CONJUNTO N.º21/2010 – TST.CSJT.GP.SG

Dispõe sobre o recolhimento de custas e emolumentos na Justiça do Trabalho.
O PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO E DO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO, no uso de suas atribuições legais e regimentais,

Considerando o contido no Processo Administrativo n.° 503.019/2010-1,

RESOLVE:


Art. 1° A partir de 1° de janeiro de 2011, o pagamento das custas e dos emolumentos no âmbito da Justiça do Trabalho deverá ser realizado, exclusivamente, mediante Guia de Recolhimento da União – GRU Judicial, sendo ônus da parte interessada efetuar seu correto preenchimento.
Art. 2° A emissão da GRU Judicial deverá ser realizada por meio do sítio da Secretaria do Tesouro Nacional na internet (www.stn.fazenda.gov.br), ou em Aplicativo Local instalado no Tribunal, devendo o recolhimento ser efetuado exclusivamente no Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal.
§ 1º O preenchimento da GRU Judicial deverá obedecer às orientações contidas no Anexo I.
§ 2º O pagamento poderá ser feito em dinheiro em ambas as instituições financeiras ou em cheque somente no Banco do Brasil.
Art. 3° Na emissão da GRU Judicial serão utilizados os seguintes códigos de recolhimento:
18740-2 – STN-CUSTAS JUDICIAIS (CAIXA/BB)
18770-4 – STN-EMOLUMENTOS (CAIXA/BB)
Art. 4° Até 31 de dezembro de 2010, serão válidos tanto os recolhimentos efetuados por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais - DARF, em conformidade com as regras previstas na Instrução Normativa n.° 20 do Tribunal Superior do Trabalho, de 24 de setembro de 2002, quanto os realizados de acordo com as diretrizes estabelecidas por este Ato.
Art. 5° Este Ato entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 7 de dezembro de 2010.


Fonte: Migalhas

Abatimento de horas extras já pagas não pode ser calculado mês a mês

Por maioria, a Sessão I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) decidiu que o abatimento dos valores correspondentes às horas extras já pagas ao trabalhador deve levar em conta todo o período não prescrito do contrato (ainda no prazo para ser reivindicado na Justiça). Não devendo, assim, ser calculado mês a mês, forma que seria mais favorável ao empregado.

Com a decisão, a SDI-1 acatou recurso do HSBC Bank Brasil S.A. - Banco Múltiplo e reformou julgamento anterior da Oitava Turma do TST. O banco alegou no recurso que a apuração mês a mês lhe seria prejudicial, pois, no mês em que as horas foram pagas a mais, elas não poderiam ser descontadas no mês seguinte.

Já para a Oitava Turma, que por sua vez reformou julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) e restabeleceu decisão do juízo de primeiro grau, o abatimento dos valores pagos deveria observar "os mesmos títulos, bem como o prazo de pagamento dos salários estabelecido no artigo 459 da CLT", ou seja, prazo não superior a 30 dias. "Segue-se daí que eventual pagamento excedente àquele realmente devido dentro do mesmo mês deve ser considerado como mera liberalidade do empregador".

No caso, uma ex-bancária do HSBC conseguiu o reconhecimento do direito ao pagamento da 6ª hora diária, já que não ficou comprovado que ela exercia cargo de confiança, além do pagamento, "como horas extras, com adicional de 100%, do trabalho realizado em sábados, domingos e feriados, sem folga compensatória na mesma semana".

Como parte destas horas já havia sido paga pela empresa, a discussão continuou quanto à forma de abatimento. O ministro Aloysio Correia da Veiga, relator na SDI-1 do TST, ao dar provimento ao recurso da empresa contra o entendimento da Oitava Turma, destacou "que não há se falar em compensação das horas extraordinárias, mês a mês, e sim na dedução, pelo abatimento do que foi pago seguindo o critério global (todo o período não prescrito), com o fim de se evitar enriquecimento ilícito do empregado, que acaba por receber, em relação a mesma parcela, por duas vezes".

O relator destacou entendimento do jurista Carlos Henrique Bezerra Leite, que faz a distinção entre dedução e compensação: "A compensação depende de pedido expresso do reclamado (empresa) na contestação (CLT, art. 767). Já a dedução pode ser autorizada de ofício pelo juiz e decorre da aplicação do princípio non bis idem (não ser duplamente punido pelo mesmo fato), evitando-se, com isso, o enriquecimento sem causa de uma parte em detrimento da outra."

(RR - 322000-34.2006.5.09.0001)

Fonte: TST

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Fato gerador da contribuição social em obras de construção civil ocorre na data da conclusão da obra

A 8ª Turma manteve a determinação, de juízo do 1.º grau de jurisdição, de que o INSS expeça certidão negativa de débitos previdenciários para fins de averbação de obra de construção civil, em razão do transcurso do prazo decadencial.

Para o INSS, o tributo devido não está prescrito, pois não tendo havido pagamento antecipado, referente ao lançamento por homologação, tem-se que o prazo de dez anos somente se iniciou após exaurir-se o prazo de homologação tácita.

Explicou a relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, que as contribuições sociais, inclusive as destinadas ao financiamento da seguridade social, são consideradas tributo, portanto deve ser aplicado o art. 174 do Código Tributário Nacional. Dessa forma, “o momento da ocorrência do fato gerador do tributo, em contribuição previdenciária incidente sobre obras de construção civil, é a data da conclusão da obra, que, no caso, ocorreu em 1992”, pontuou a magistrada.

Concluiu a relatora que “se o crédito em questão se refere a contribuições decorrentes de obra de construção civil, concluída em 1992, e não há nos autos notícia de nenhum lançamento por parte da autarquia, contado do primeiro dia do exercício seguinte ao da conclusão da obra de construção civil, deve ser reconhecida a decadência do direito.”

Processo: Apelação Cível 2005.38.05.002548-5/MG

Fonte: TRF da 1ª Região

Vejam outras decisões dos TRF's da 1ª e 4ª Regiões no mesmo sentido:

TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE CONSTITUIR O CRÉDITO REFERENTE À CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE CONSTRUÇÃO CIVIL. FATO GERADOR. CONCLUSÃO DA OBRA. DIREITO À OBTENÇÃO. 1. "Declarada pelo STF (Súmula Vinculante nº 8) a inconstitucionalidade do art. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da CF/88, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, a decadência para a constituição de créditos tributários previdenciários rege-se pelo art. 173 do CTN, extinguindo-se no prazo de 5 (cinco) anos." (AC 200438000323862 Relator(a) Juíza Federal Gilda Sigmaringa Seixas (CONV.) Sétima Turma. e-DJF1 de 18/09/2009 p. 293). 2. Em se tratando de contribuição previdenciária incidente sobre obras de construção civil, o momento da ocorrência do fato gerador do tributo é a data da conclusão da obra. 3. A questão da data da conclusão da obra foi muito bem apreciada pelo magistrado a quo, o qual concluiu que "(...) consoante o conjunto probatório dos autos, restou demonstrado que a construção no imóvel da autora encerrara-se em 1996, data em que deveria ter sido feito o recolhimento do tributo. O fisco federal tinha o prazo de 5 (cinco) anos para fiscalizar e efetuar, de ofício, o lançamento; mas somente em 2007 o fez, ou seja, ultrapassados mais de cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, conforme determina o art. 173, I, do CTN, sendo de rigor o reconhecimento da consumação da decadência do direito de constituir o crédito tributário questionado". 4. Considerando que o crédito em questão se refere às contribuições decorrentes de obra de construção civil, concluída em 1996, com bem esclareceu a sentença; sendo que o crédito só foi constituído após o decurso do qüinqüênio decadencial, contado do primeiro dia do exercício seguinte ao da conclusão da obra de construção civil, é de se reconhecer que ocorreu a decadência do direito. Precedentes desta Corte 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. (AC 200838000010788, DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, TRF1 - SÉTIMA TURMA, 21/05/2010)

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TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MULTA. CONSTRUÇÃO CIVIL. DECADÊNCIA. HONORÁRIOS. 1- A contribuição previdenciária incidente sobre obras de construção civil tem por fato gerador a conclusão da obra. 2- O prazo decadencial para a constituição do crédito tributário é regido pelo art. 173, I, do CTN. 3- Honorários advocatícios majorados, em conformidade com o que dispõe o art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC. (AC 00004798320074047118, LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, TRF4 - SEGUNDA TURMA, 22/04/2010)

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EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONSTRUÇÃO CIVIL. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. 1. A contribuição previdenciária incidente sobre obras de construção civil tem por fato gerador a conclusão da obra. 2. Não comprovando a embargante a data do término da obra, ônus que lhe incumbia, não há como reconhecer a decadência do crédito exequendo. 3. A partir da constituição definitiva do crédito, no caso, pelo decurso do prazo sem oferecimento de defesa, inicia-se o transcurso do prazo prescricional, nos termos do art. 174 do CTN, possuindo o Fisco o prazo de cinco anos para cobrar o débito. 4. Não transcorridos cinco anos entre a constituição definitiva do crédito e a citação da executada, não há como acolher a prescrição argüida. (AC 200772040008760, LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, TRF4 - SEGUNDA TURMA, 13/01/2010)

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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Parceria no cultivo de floresta para produção de madeira - Tributação

A CONSULTA

Proprietários de imóveis rurais consultam sobre a possibilidade de, sob o ponto de vista do direito agrário e do direito tributário, cada um deles firmar contrato de parceria rural com sociedade empresária em que esta, às suas expensas, formará nos imóveis deles florestas objetivando a obtenção de madeira a ser partilhada entre as duas partes contratantes. O primeiro corte das árvores a serem cultivadas está previsto para ser feito no sétimo ano contado do início do cultivo.

Durante o período de formação da floresta, cada um dos consulentes receberá mensalmente da empresa cultivadora quantia a título de adiantamento por conta da partilha da produção esperada. Por ocasião do corte das árvores, o valor atualizado dos adiantamentos que recebeu será comparado com o valor da parte na produção de madeiras que lhe couber, avaliada pelo preço então corrente; se o valor de sua participação na produção for maior do que a soma atualizada das quantias adiantadas, receberá a diferença em madeira, e em caso contrário deverá reembolsar a parceira cultivadora pelo excesso recebido.

Interessa-lhes saber se, acaso permitido esse contrato com base nas normas do direito agrário, especialmente da Lei nº 4.504/1964, o chamado Estatuto da Terra (ET), e do Decreto nº 59.566/1966, qual poderá ser o entendimento da Receita Federal do Brasil a respeito, e pedem em especial que sejam esclarecidas as seguintes dúvidas surgidas no decorrer da negociação que vem sendo entabulada, suscitadas umas por eles consulentes e outras pela empresa interessada:

a) procede o entendimento da empresa de que no caso estão vedados os adiantamentos mensais por conta da participação do dono da terra, visto que o ET em seu art. 96, §§ 2º e 3º, somente os permite se forem eventuais?

b) sendo permitidos os adiantamentos, qual o tratamento tributário a lhes ser dado pelo dono da terra?

c) e qual o tratamento tributário a ser dado aos referidos adiantamentos mensais pela parceira cultivadora?

d) como alternativa aos adiantamentos, poderia ser adotada a sugestão da empresa de comprar a parte dos donos da terra na produção, consistente de quantidade prefixada de madeira a ser entregue na época do corte, por preço certo, por exemplo, de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a ser pago anualmente?


AS RESPOSTAS

Os contratos agrários

Arrendamento e parceria rurais constituem as duas únicas espécies do gênero contrato agrário, pelo qual o titular de direitos sobre imóvel rural cede, mediante pagamento de um preço, o uso temporário de toda ou de parte da área para que outrem nela exerça atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista.

O preço pela cessão do uso temporário da terra é um dos elementos essenciais e específicos do contrato agrário, por isso não foi o comodato incluído pela lei como uma de suas espécies.

No arrendamento, a cessão do uso temporário da terra se dá mediante fixação do preço em quantia certa. O pagamento poderá ser feito em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos, mas o preço do arrendamento tem de ser fixado de antemão, em dinheiro. Nesse tipo de contrato o dono da terra não compartilha qualquer dos riscos assumidos pelo parceiro tratador com relação às explorações rurais a serem desenvolvidas no imóvel.

O contrato oneroso para uso temporário de imóvel rural ou de parte dele que não se enquadrar na definição de arrendamento, será parceria, contrato pelo qual o titular do imóvel assume qualquer tipo de risco das explorações rurais, ainda que seja apenas o da variação de preço dos frutos delas obtidos.

As normas legais sobre contratos agrários são de direito público, tanto que não constam do atual Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Constava do Código Civil de 1916, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que de modo genérico falava sobre arrendamento, e sobre parceria rural tratava em seus artigos 1.410 a 1.423. Mas o Código Civil de 1916 foi editado sob a égide da Constituição Federal de 1891, quando ainda não havia, no Brasil, maiores preocupações com a função social da terra.

Somente com a Emenda Constitucional nº 10, de 9 de novembro de 1964 (DOU de 11-11-1964), que alterou o inciso XV do artigo 5º da Constituição Federal de 1946, foi reconhecida a competência da União para legislar sobre direito agrário, que assim passou a constituir novo ramo de direito no País. Denotando que os estudos pertinentes já vinham se desenvolvendo fazia algum tempo, no mesmo mês da EC nº 10/1964 foi editada a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, o Estatuto da Terra (ET), que regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola no País. O ET, na parte que cura dos contratos agrários, foi regulamentado pelo Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1996.

Na Constituição atual, a autonomia do direito agrário está prevista no artigo 22, especificamente em seu inciso I, que lista os diversos ramos de direito sobre os quais a União tem competência para legislar.

A parceria rural

A parceria rural, modalidade de contrato agrário que interessa a esta análise, está regulada no artigo 96 da Lei n º 4.504/1964, na redação que a esse artigo deu a Lei nº 11.443, de 5 de janeiro de 2007, e regulamentada no já referido Decreto nº 59.566/1996, que a definiu em seu artigo 4º, reproduzido a seguir com obediência à acentuação diacrítica da época:

Art. 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra).
Parágrafo único. para os fins dêste Regulamento denomina-se parceiro outorgante, o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parcerias definidas no art. 5º.


Não tendo essa dicção “partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra)”, do Decreto, sido suficientemente clara para evitar divergências de interpretação quanto à configuração de parceria nos contratos de cessão da terra para uso temporário, foi editada a Lei nº 11.443, de 5 de janeiro de 2007, que deu nova redação ao artigo 96 do Estatuto da Terra.

Na nova redação desse artigo foram incluídos cinco parágrafos, dos quais os três primeiros, que interessam ao tema aqui versado, são destacados em negrito na longa redação atual do referido dispositivo, abaixo copiado:

“Da Parceria Agrícola, Pecuária, Agro-Industrial e Extrativa

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:
I - o prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos, assegurado ao parceiro o direito à conclusão da colheita, pendente, observada a norma constante do inciso I, do artigo 95;
II - expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o parceiro em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato de parceria;
III - as despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo acordo em contrário, correrão por conta do parceiro tratador e criador;
IV - o proprietário assegurará ao parceiro que residir no imóvel rural, e para atender ao uso exclusivo da família deste, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno porte;
V - no Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que constarão, obrigatoriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa:
a) quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária e facilidades oferecidas ao parceiro;
b) prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola;
c) bases para as renovações convencionadas;
d) formas de extinção ou rescisão;
e) direitos e obrigações quanto às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do proprietário e aos danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a ele cedidos;
f) direito e oportunidade de dispor sobre os frutos repartidos;
VI - na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:
a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).
b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).
c) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).
d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).
e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).
f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).
g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro;
VII - aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei.
VIII - o proprietário poderá sempre cobrar do parceiro, pelo seu preço de custo, o valor de fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação deste, em qualquer das modalidades previstas nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
IX - nos casos não previstos nas alíneas do inciso VI do caput deste artigo, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de 10% (dez por cento) do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
§ 1º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos: (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
I - caso fortuito e de força maior do empreendimento rural; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
II - dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
III - variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
§ 2º As partes contratantes poderão estabelecer a prefixação, em quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final do contrato, seja realizado o ajustamento do percentual pertencente ao proprietário, de acordo com a produção. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
§ 3º Eventual adiantamento do montante prefixado não descaracteriza o contrato de parceria. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
§ 4º Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte em percentual na lavoura cultivada ou em gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário mínimo no cômputo das 2 (duas) parcelas. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica aos contratos de parceria agroindustrial, de aves e suínos, que serão regulados por lei específica. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).”


Começando pela redação do § 1º, vê-se que essa nova disposição caracterizadora do contrato de parceria rural, desta vez constando da própria lei e não de seu decreto regulamentador, inclui a partilha do risco das variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural (inciso III do § 1º do art. 96), empreendimento que no caso da consulta é o de exploração agrícola.

A redação da lei agora é elucidativa, facilitadora da conclusão, que deveria ser óbvia, de que, sendo somente dois os tipos de contratos agrários, será parceria aquele que não se caracterizar como arrendamento. Dito de outro modo: será parceria o contrato de cessão do uso temporário e oneroso de imóvel rural ou de parte dele que não for feito em contrapartida de um preço fixo a ser pago em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos.

O fato de o inciso VI do caput do art. 96 do ET prescrever que na participação dos frutos da parceria a quota do proprietário não poderá ser superior a determinados percentuais, conforme seja sua contribuição para a exploração objetivada, não significa que sua participação deva sempre ser fixada percentualmente. Trata-se de prescrição legal que serve também como fixação de quotas-limites para apurar eventuais excessos, especialmente quando houver notória desproporção econômica entre o proprietário do imóvel e o parceiro outorgado, visto que essa lei é de cunho social.

Ao dizer o art. 96, § 1º, inciso III, que para configurar o contrato de parceria rural basta a assunção, pelo dono da terra, do risco de variações de preço dos frutos obtidos na exploração, está o dispositivo permitindo que esse parceiro receba quantidade prefixa da produção que vier a ser obtida da atividade exercida em comum.

Adiantar quantias por conta da participação do proprietário do imóvel nos frutos e produtos esperados da atividade rural exercida em parceria já era prática generalizada e aceita, notadamente nos empreendimentos de prazo médio ou longo de implantação.

Haja vista que nos Regulamentos do CONSECANA — Conselho de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool, tanto o do Estado de São Paulo como o do Estado do Paraná, acessíveis na internet em diversos portais, v.g. www.udop.com.br, sempre constou a possibilidade desses adiantamentos e seu ajuste ao final, como se vê do Anexo II desses Regulamentos, arts. 16 a 18 e 21 e 22. A inclusão dos §§ 2º e 3º ao art. 96 do Estatuto da Terra visou apenas espancar dúvidas e prevenir contendas estéreis, pois o que deles consta já emergia claramente do direito aplicável.

Em conclusão: os adiantamentos por conta da participação do parceiro outorgante são e já eram permitidos, e nessa condição não são tributáveis; a tributação fica diferida para o momento da partilha dos frutos ou produtos da atividade exercida em comum pelos contratantes.

Parceria em cultura florestal

A formação de floresta, ou silvicultura, classifica-se obviamente entre as atividades rurais referidas no § 1º do art. 96 do Estatuto da Terra, como agrícola (agricultura). Em sentido lato, a palavra “agricultura” compreende todas as atividades do campo, ou atividades rurais, mas em sentido estrito tem o significado de cultivo de vegetais. Portanto, com base nas disposições legais pertinentes, a florestação e o reflorestamento constituem tipos de exploração rural que podem ser exercidas por meio de contrato de arrendamento ou de parceria, como demonstrado na seção anterior, intitulada “A parceria rural”.

O Regulamento do Imposto de Renda (RIR), consubstanciado no Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, que consolida a legislação sobre o Imposto de Renda editada até a sua expedição, dispõe em seu artigo 58 que se considera atividade rural, entre outras: “VI - o cultivo de florestas que se destinem ao corte para comercialização, consumo ou industrialização.”

A análise das normas do direito agrário, feita acima, deixa claro o cabimento, para qualquer efeito legal, da parceria com vistas à formação de floresta. E não é por outra razão que existe ato da Receita Federal expedido com o fito de manifestar essa possibilidade. Trata-se do Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação (PN/CST) nº 30, de 20 de agosto de 1980, publicado no Diário Oficial da União de 26 de agosto de 1980, cuja cópia é apresentada com o presente parecer. O caso dos consulentes identifica-se com o do item 2, alínea “a”, do Parecer Normativo, em que a empresa cultivadora venderá madeira oriunda de árvores por elas plantadas em terrenos de terceiros, os parceiros donos das terras.

O referido Parecer Normativo foi expedido na vigência do Decreto-lei nº 1.382, de 26 de dezembro de 1974, que dispunha sobre a forma de tributação das empresas agrícolas, nesta parte alterando o Decreto-lei nº 902, de 30 de setembro de 1969, que tratava da tributação dos rendimentos da exploração agrícola ou pastoril, diplomas que vigoraram até o advento da Lei nº 8.023, de abril de 1990, que atualmente rege a referida tributação. Especificamente no que diz com os contratos agrários, o DL nº 1.382/1974 e portanto também o PN-CST nº 30/1980 tinham sustentação na mesma Lei nº 4.504/1964, que servia então e serve ainda hoje para conferir orientação e limites às normas legais tributárias nesse tema específico.

E se para definir ou limitar competência para instituir tributo a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, como prescreve o art. 110 do Código Tributário Nacional, igualmente não poderá, para esse fim, alterar os mesmos elementos de direito público, caso do direito agrário. Portanto, as orientações do referido Parecer Normativo, pelos seus fundamentos de direito, valem ainda hoje, a despeito de a matéria estar sob regência de outra lei tributária.

Valem porque, repita-se, a lei tributária vigente tem, assim como tinha a anterior, sustentação na Lei nº 4.504/1964, que por sua vez regulava o disposto no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal de 1946 em matéria de direito agrário, e, recepcionada pela atual Carta Magna, regula o art. 22, inciso I, desta.

Demonstrado assim que perante o direito agrário e o direito tributário é possível a contratação de parceria para formação de floresta, vamos agora às perguntas feitas pelos consulentes.

a) Procede o entendimento da empresa de que no caso estão vedados os adiantamentos mensais por conta da participação do dono da terra, visto que o ET em seu art. 96, §§ 2º e 3º, somente os permite se forem eventuais?

A afirmação feita pelo ilustre e zeloso representante da empresa cultivadora, de que o § 3º do artigo 96 do Estatuto da Terra apenas permite adiantamentos por conta do montante prefixado se forem eventuais, com a devida vênia, não procede.

Em primeiro lugar, observar que o dispositivo permite o adiantamento do montante prefixado, e sendo assim, a parceira cultivadora se quisesse poderia adiantar o total de uma só vez. Mas apesar de poder adiantar de uma vez só todo o valor, irá fazê-lo de forma compassada, em parcelas ao longo de todo o período que antecede a colheita e a partilha. Como quem pode o mais pode o menos, não há o que questionar ou censurar nesse procedimento.

O longo prazo de maturação do empreendimento, sete anos, também não é motivo para inviabilizar a antecipação permitida, que afinal é prevista em lei, sem restrição quanto ao tempo necessário para obtenção dos frutos da exploração rural em parceria.

Por outro lado, o dispositivo fala em “eventual adiantamento”, e não em “adiantamento eventual”, expressão que teria sentido diverso. Amiúde ocorre mudança no significado da palavra ou da frase quando se antepõe o adjetivo ao substantivo.

No caso, somente se a expressão estivesse com o adjetivo colocado em sua forma posposta (“adiantamento eventual”) é que estaria o legislador se referindo à qualidade dos adiantamentos que o parceiro outorgado poderia fazer ao dono da terra sem que com isso restasse descaracterizada a parceria. Mas ele empregou a forma anteposta, pelo fato de o adiantamento não ser elemento ínsito, isto é, requisito essencial e específico do contrato de parceria, como por exemplo o preço, o uso temporário da terra, a partilha etc. De fato, o legislador jamais falaria em eventual partilha, eventual parceiro outorgante, eventual parceiro outorgado, pois todos esses são elementos indefectíveis da parceria, ou requisitos obrigatórios desse tipo de contrato.

Em conclusão: se a lei permite a contratação da parceria agrícola; se a florestação é uma atividade agrícola; se a Receita Federal reconhece a possibilidade de parceria para essa atividade; se a lei permite adiantamento de quantias por conta da participação do proprietário do imóvel; se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, como estabelece o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, então ninguém poderá legitimamente se opor ao ajuste dessa cláusula contratual.

b) Sendo permitidos os adiantamentos, qual o tratamento tributário a lhes ser dado pelo dono da terra?

Adiantamentos não são tributáveis quando de seu recebimento. A tributação fica protraída para o momento em que se der o fato gerador do imposto de renda. Fato gerador da obrigação tributária principal, que é a de pagar o tributo, é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência, segundo o teor do artigo 114 do Código Tributário Nacional. No caso do imposto sobre a renda da atividade rural da pessoa física, esse momento é o do recebimento do preço de venda, pelo parceiro outorgante (dono do imóvel), da parte da produção que lhe couber na partilha.

Os adiantamentos foram aqui tomados como sendo uma forma de conferir uma compensação ao proprietário do imóvel pela falta de obtenção de renda da propriedade durante o período de formação da floresta, e não como recebimento de antecipação do preço de venda de sua parte na produção, pois disso não foi cogitado pelos consulentes.

Se fosse o caso de recebimento por conta de venda da produção, seria aplicável o disposto no § 2º do artigo 61 do Regulamento do Imposto de Renda, segundo o qual “Os adiantamentos de recursos financeiros, recebidos por conta de contrato de compra e venda de produtos agrícolas para entrega futura, serão computados como receita no mês da efetiva entrega do produto.”

Como a partilha entre os parceiros terá por objeto a produção de madeira, e não o lucro que a empresa obterá com a exploração, o dono da terra auferirá receita da venda da parte que lhe couber na madeira a ser produzida. Sendo assim, do produto da venda dessa sua parte no máximo vinte por cento (20%) serão tributados, por força do que estabelece o art. 5º da Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990.

Foi dito no máximo vinte por cento porque a lei, ao dispor que para efeito do imposto de renda o resultado tributável da atividade rural não passará de vinte por cento da receita auferida, em outras palavras está concedendo direito de deduzir da receita oitenta por cento de despesas. Todavia, o contribuinte, consideradas todas as suas atividades rurais, pode ter, em relação às receitas, despesas efetivas em porcentagem superior aos oitenta por cento de despesas fictas proporcionadas pela lei.

Por certo será com o produto da venda da produção que na partilha lhe tocar que o proprietário do imóvel satisfará sua obrigação decorrente dos adiantamentos recebidos. Se a venda for feita à própria empresa parceira na formação das árvores, provavelmente será por compensação que liquidará essa dívida, fazendo o encontro de sua conta devedora, gerada pelos adiantamentos, com a conta credora pela venda da madeira. Se a venda for feita a terceiro, com o dinheiro recebido pagará os adiantamentos. Seja como for, valor tributável para a pessoa física dona das terras será no máximo o equivalente a vinte por cento da receita recebida pela venda da madeira que lhe couber na partilha da produção em parceria.

c) E qual o tratamento tributário a ser dado aos referidos adiantamentos mensais pela parceira cultivadora?

Evidentemente, os adiantamentos não constituirão despesa para a parceira cultivadora, ao contrário do que sucederia se se tratasse de pagamento em contrapartida a arrendamento.

Para ela, os adiantamentos configurarão créditos perante o proprietário do imóvel rural. Esses créditos deverão figurar no seu ativo realizável a longo prazo, na forma prevista no art. 179, inciso II, da Lei das Sociedades por Ações, nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, na redação que a esse dispositivo foi dada pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007.

A Lei das Sociedades por Ações (LSA), pela necessidade de adequação da contabilidade e do balanço das empresas nacionais aos padrões da economia internacional, acaba por ditar as normas de controle contábil e tributário aplicáveis a todos os tipos de sociedades, estando suas últimas alterações, implantadas por meio da Lei nº 11.638/2007, ainda em fase de adequação ao ordenamento jurídico geral do País. Essas alterações foram iniciadas pela Lei nº 11.941/2009, que a partir de seu art. 15 instituiu o Regime Tributário de Transição de apuração do lucro real.

O parágrafo único do referido art. 179 da LSA diz que na empresa em que o ciclo operacional tiver duração maior que o exercício social a classificação no circulante ou longo prazo terá por base o prazo desse ciclo. Embora eu não conheça as particularidades da empresa que se propõe a florestar os imóveis, julgo que, sejam elas quais forem, nenhum efeito prático terá a classificação dos adiantamentos no seu ativo realizável a longo prazo.

O crédito da empresa será baixado por ocasião do ajuste final entre os parceiros, oportunidade em que, com o produto da venda de sua parte na produção, o proprietário do imóvel pagará seu débito à empresa.

d) Como alternativa aos adiantamentos, poderia ser adotada a sugestão da empresa de comprar a parte dos donos da terra na produção, consistente de quantidade prefixada de madeira a ser entregue na época do corte, por preço certo, por exemplo, de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a ser pago anualmente?

Apesar do engenho da proposta, essa compra, cujas condições não foram informadas, no meu entender não teria nenhum efeito prático se comparada com a realização dos adiantamentos.

Por outro lado, poderia ser interpretada como contrato de arrendamento disfarçado, visto que, segundo parece, os proprietários dos imóveis receberiam preço fixo, predeterminado, sem correr risco.

O Fisco poderá entender que não há diferença entre essa forma de contratar e a prefixação do preço em dinheiro a ser pago pelo uso da terra. Por exemplo, se no contrato de arrendamento ficasse convencionado que o preço fixo, em dinheiro, portanto o arrendamento, seria de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a empresa iria pagar anualmente R$ 100.000,00 reais por um imóvel de 875 alqueires paulistas, o mesmo valor que pagará na hipótese proposta, de venda da produção. A proposta seria para compra da parte da produção que pelo contrato será destinada a cada um dos donos das terras, ou seja, quantidade prefixada de madeira a ser entregue na época do corte e cujo valor seria, por exemplo, de R$ 800,00 por alqueire ao ano, a ser paga mediante parcelas anuais.

A notícia a respeito da sugestão formulada pela empresa não esclarece se a venda da madeira seria pura ou condicionada, se o contrato de compra e venda seria aleatório, no sentido de ela assumir o risco de a madeira vir a existir em qualquer quantidade, ou mesmo não existir, podendo, conforme sejam as condições ajustadas, ficar descaracterizada a parceria. Mas um dado é certo: trata-se de compra e venda de coisa futura, tipo de contrato que fica sem efeito se o bem não vier a existir, a menos que a intenção das partes tenha sido de concluir contrato aleatório. Neste caso, seria necessário saber a que álea terá ficado sujeito o contrato, para se poder avaliar sobre os reflexos no seu tratamento tributário.

Mas independentemente de saber sobre essas especificidades do contrato de compra e venda sugerido, o certo é que terá ele por objeto coisa futura. E neste caso, o tratamento tributário é um só, e está previsto no § 2º do artigo 61 do Regulamento do Imposto de Renda: “Os adiantamentos de recursos financeiros, recebidos por conta de contrato de compra e venda de produtos agrícolas para entrega futura, serão computados como receita no mês da efetiva entrega do produto.” Como se verá logo adiante, desse enunciado se conclui que no caso aqui analisado o ano em que forem recebidos os adiantamentos não será o do fato gerador da obrigação de pagar o imposto de renda, a não ser aquele ano em que também for entregue a madeira.

Na apuração do resultado da atividade rural exercida por pessoa física, a receita, por força do disposto no art. 4º da Lei nº 8.023/1990 e no já reproduzido § 2º do art. 61 do RIR, somente é considerada na data de seu efetivo recebimento, assim como as despesas somente são consideradas na data de seu pagamento.

Se tomados os valores recebidos como sendo por venda da parte do dono da terra na produção, esses recebimentos antes da entrega dos produtos serão por conta de receita futura, e a entrega do produto marcará o momento da percepção da receita e, portanto, o momento do fato gerador da obrigação tributária principal. Como se trata de rendimentos tributáveis da pessoa física, o exercício financeiro de competência será o ano civil seguinte ao do recebimento da receita de venda da madeira, quando o contribuinte deve apresentar sua declaração anual de ajuste.

Numa observação parentética, que será útil linha à frente, se em lugar de rendimento a renda da pessoa física fosse do tipo “ganho de capital”, ou seja, a alienação de bem de seu patrimônio fixo por valor acima do que lhe custou, a obrigação de pagar o imposto seria no mês seguinte ao do recebimento da receita pela alienação do bem ou direito.

Relembrando que o fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência (Código Tributário Nacional, art. 114), no caso dos adiantamentos recebidos para entrega futura de madeira será o ano da entrega desse produto, digamos, o ano de 2017, devendo, na hipótese, a declaração de ajuste ser apresentada em 2018. O mesmo Código, tratando do lançamento tributário, ou seja, o ato de constituição do crédito tributário, diz também que “O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.”

De tudo isso se infere que não há necessidade de os parceiros proprietários dos imóveis contratarem venda prévia de sua parte na produção, pois a parceria lhes garante a consideração da receita somente quando da venda de sua parte na produção rural. E enquanto não auferirem essa receita, não existirá fato gerador do imposto de renda. No caso é como se eles estivessem, por conta própria, formando a floresta, apenas nela aplicando seus recursos.

Ainda sobre essa proposta de venda, como o fato gerador do imposto no caso de adiantamentos por conta do preço ocorre no ano da entrega do produto vendido, que na situação aqui analisada pode ser de até sete anos depois dos adiantamentos feitos no primeiro ano, a lei de regência da tributação que vigorar por ocasião do lançamento que vier a ser realizado de ofício pela autoridade fazendária poderá ser outra, com novas alíquotas e quem sabe com outras alterações.

Conclusão

O contrato de parceria transferirá o trabalho e os encargos da formação da floresta para a empresa, parceira outorgada. E durante os anos em que os donos dos imóveis dela receberem adiantamentos por conta de entrega futura de madeira, e não entregarem madeira alguma, não ocorrerá fato gerador da obrigação de pagar imposto de renda em razão do cultivo em parceria. Isso, repisando, porque o fato gerador ocorrerá somente com a entrega da madeira.

Nada existe de estranhável no fato de, durante os sete anos de formação das árvores, os donos dos imóveis não auferirem receita. O tipo de cultivo é que é de longa duração, e no seu decorrer não haverá percepção de receita e, pois, nem resultado a tributar. O anexo Parecer Normativo CST nº 30/80, embora não cuide especificamente de elucidar essa questão, traz em suas entrelinhas essa noção. Vejamos o conteúdo do subitem 8.2 desse ato:

8.2 Isto posto, entendemos que os lucros resultantes da venda de toras de árvores plantadas em terrenos objeto de parceria rural somente serão beneficiados pela tributação reduzida de que trata o Decreto-Lei nº 1.382, de 26/12/74, se referidas toras se originarem:
a) de árvores plantadas pelas empresas agrícolas, nestas terras; e/ou
b) de árvores recebidas dos parceiros-outorgantes em fase de formação e, a partir daí, alvo de cuidados próprios por parte das empresas outorgadas, até a formação final das florestas de que tais árvores façam parte.


Está o dispositivo dizendo que a parceira outorgada, ou seja, a empresa que em lugar do dono das terras tomou a si o encargo de formar a floresta mercê do contrato de parceria, efetuou gastos durante o cultivo e auferirá o lucro tributável na ocasião da venda da madeira. O proprietário do imóvel terá sua parte tributável nessa mesma oportunidade. Aliás, seria no mínimo curioso que em um contrato de parceria, em razão do qual o resultado tributável surge no mesmo momento para as duas partes contratantes, uma ficasse obrigada a pagar imposto de renda em época diferente da outra.

De sorte que, se sobre os adiantamentos recebidos da parceira outorgada nos anos anteriores ao da entrega da madeira os donos da terra efetuarem pagamentos a título de imposto de renda, não estarão cumprindo obrigação de pagar tributo, porque esta jamais surge antes da ocorrência do fato gerador. Os pagamentos serão indevidos e darão direito a restituição, na forma estabelecida no artigo 165 do Código Tributário Nacional.

O Fisco, por sua vez, tenham ou não sido efetuados os pagamentos indevidos pelo parceiro outorgante, ficará com o direito de efetuar o lançamento quando da ocorrência do fato gerador, ou seja, com a entrega da madeira. E se efetuar de ofício o lançamento, o crédito tributário virá integrado por multa proporcional ao imposto.

Pela legislação atual, o crédito tributário que vier a ser constituído de ofício compreenderá o imposto de renda devido, multa do lançamento de ofício, de no mínimo setenta e cinco por cento do imposto, e juros de mora calculados pela Selic (taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para títulos federais — SELIC, acumulada mensalmente). Os contribuintes ficarão apenas com o direito de pedir restituição do valor que indevidamente terão recolhido a título de imposto de renda, acrescido de juros contados da data do pagamento indevido.

Nem mesmo a título de antecipação do tributo que no futuro será devido, pode o contribuinte efetuar esses pagamentos sobre os adiantamentos recebidos. Ele só pode antecipar pagamento de tributo se a lei o permitir, e obviamente se tiver tributo a pagar. Só é possível a antecipação de pagamento de tributo depois de ocorrido o fato gerador da obrigação tributária principal, que é a de pagar o tributo.

Falo de antecipação de pagamento porque entre o momento da ocorrência do fato gerador da obrigação de pagar e o momento definido em lei para o pagamento existe sempre um prazo. Como já foi dito acima, no caso de renda auferida por pessoa física e classificada como rendimento, será no ano seguinte ao da ocorrência do fato gerador, e no caso de ganho de capital, no mês seguinte ao recebimento da correspondente receita.

Para o caso de imposto de renda devido pelas pessoas físicas, existe permissão legal para antecipação do pagamento devido: está no art. 7º da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, verbis: “Art. 7° Sem prejuízo dos pagamentos obrigatórios estabelecidos na legislação, fica facultado ao contribuinte efetuar, no curso do ano, complementação do imposto que for devido sobre os rendimentos recebidos.” Ver bem: “fica facultada (a lei grafou “facultado”) complementação do imposto que for devido”. E o imposto só é devido depois do sucesso do seu suporte fático, que a lei chamou de fato gerador da obrigação tributária principal. Esse artigo 7º da Lei nº 8.383/1991 está reproduzido no artigo 113 do Regulamento do Imposto de Renda.

De modo que os pagamentos feitos pelo contribuinte ao desamparo do suporte fático da obrigação tributária principal não têm valor e nem o poder de evitar tributação ex officio. Os ingressos financeiros deles decorrentes nem mesmo podem ser considerados receita tributária para o poder público, na forma definida pela Lei nº 4.320/1964, que estatui normas de direito financeiro para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Por isso, não evitam lançamento de ofício.

Os donos dos imóveis rurais estarão apenas contraindo dívidas enquanto estiverem recebendo quantias a título de adiantamento por conta da partilha dos produtos da parceria, se no mesmo ano não for entregue madeira de sua parte na produção.

Malgrado a possibilidade de interpretações destoantes desse entendimento, o tratamento aqui defendido deflui das normas de regência da matéria, como demonstrado.

É o meu parecer, salvo melhor juízo.

Araçatuba (SP), 5 de julho de 2010


Cacildo Baptista Palhares
OAB (SP) nº 102.258
OAB (MS) nº 8.433-A
OAB (MG) nº 1.691-A
CRE (SP) nº 17.046

PN CST 30/80 - PN - Parecer Normativo COORDENADOR DO SISTEMA DE TRIBUTAÇÃO - CST nº 30 de 20.08.1980

D.O.U.: 26.08.1980

EMENTA - A participação de empresa agrícola em contrato de parceria rural, como parceria-outorgada, não interrompe, para esta, o gozo de favor fiscal de que seja detentora pela exploração de atividade incentivada, desde que tal contrato vise dar continuidade à exploração de atividade rural também beneficiada por incentivo fiscal. No caso de parceria rural, somente serão alcançados pela tributação reduzida de que trata o Decreto-Lei nº 1.382/74 os lucros resultantes da venda de toras de árvores plantadas pelas empresas outorgadas ou de árvores recebidas dos parceiros-outorgantes em fase de formação. Não se beneficiam do favor fiscal já mencionado as empresas agrícolas que fizerem objeto de parcerias rurais florestas já formadas e em ponto de corte definitivo, por representarem participações contratuais dessa natureza mera intermediação mercantil.

1. Empresas agrícolas dedicadas às atividades de plantio de árvores, pretendendo celebrar contratos de parceria com proprietários de terras nuas e de terras dotadas de florestas, algumas destas em fase de formação e outras já formadas em ponto de corte, desejam saber se os lucros oriundos da venda de toras de árvores plantadas nesses terrenos estariam beneficiados pela tributação reduzida a que se refere o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.382, de 26/12/74.

2. No caso em estudo, a partir da celebração dos contratos de parceria, e paralelamente à venda de madeira bruta proveniente de árvores plantadas pelas citadas empresas em suas próprias terras, passariam elas a vender, também, toras:

a) oriundas de árvores por elas plantadas em terrenos de terceiros, ou seja, dos parceiros;

b) procedentes de florestas em fase de crescimento, plantadas pelo outro parceiro em terreno a ele pertencente;

c) originadas de matas em ponto de corte recebidas em parceria, matas essas formadas pelo outro parceiro em suas próprias terras.

3. Para se solucionar a questão, três aspectos fundamentais precisam ser examinados: primeiramente, qual o alcance do Decreto-Lei nº 1.382/74, notadamente no que se refere às atividades desenvolvidas por empresas dedicadas às atividades de plantio de árvores; em segundo lugar, se a parceria estabelecida entre produtor rural e empresa agrícola tira desta a condição de beneficiária de incentivo fiscal de que seja detentora; por último, se, em qualquer das situações relacionadas sob as letras a, b e c do item 2, as empresas estariam agindo na condição de produtor rural, ou seja, se estariam vendendo produto para cuja obtenção teriam contribuído, como produtoras, em substituição aos agricultores beneficiários de favor fiscal.

4 Quanto ao primeiro aspecto, ou seja, sobre o alcance do Decreto-Lei nº 1.382, de 26/12/74, o que se entende é que o grande objetivo desse diploma foi incrementar as atividades de produção do setor agropecuário, criando, para tanto, um regime especial de tributação para tais empreendimentos quando desenvolvidos em bases empresariais. E entre essas atividades produtivas e, por isso mesmo, incentivadas, não há dúvida de que se inclui a do plantio de árvores.

5. A propósito, cumpre salientar que o incentivo fiscal da redução de alíquota (art. 1º do Decreto-Lei nº 1.382/74) tem por condição o exercício exclusivo de atividades incentivadas (Parecer Normativo CST nº 145/75, item 2), razão porque o favor legal não alcança os lucros das empresas dedicadas a florestamento e reflorestamento que prestem serviços a terceiros, inclusive os de manutenção e administração de empreendimentos florestais, ou que exerçam quaisquer outras atividades não incentivadas.

Por aproveitar ao exame do segundo aspecto da questão, vejamos, liminarmente, o que diz o art. 4º do Decreto nº 59.566, de 14/11/66 - Regulamento das Seções I, II e III do Capítulo IV do Título III do Estatuto da Terra (Lei nº 4 504/64):

"Art. 4º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa-vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (art. 96. , IV, do Estatuto da Terra).

6.1 O art. 4º do Decreto nº 59.566/66, acima transcrito, em seu parágrafo único nos dá o sentido das expressões parceiro-outorgante e parceiro-outorgado: o primeiro é o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens, enquanto que o segundo é a pessoa, ou grupo de pessoas, que recebe esses bens para os fins próprios da parceria.

6.2 Pelo que se infere dos conceitos expostos, o que caracteriza a parceria é a partilha, pelos parceiros outorgante e outorgado, dos riscos e dos frutos, produtos ou lucros havidos. Na parceria rural, o parceiro-outorgado assume a condição de co-produtor em relação ao parceiro-outorgante, respondendo por encargos que normalmente caberia a este e adquirindo, em contrapartida, direitos sobre a produção.

7. À vista do que consta do item anterior, parece-nos claro que o fato de figurar em contrato de parceria rural, como parceira-outorgada, não tira da empresa agrícola a condição de beneficiária de favor fiscal de que seja detentora, pela exploração de atividade incentivada, desde que tal contrato tenha por objeto dar continuidade à exploração de atividade rural igualmente alcançada por incentivo fiscal.

8. Por último, cabe examinar em que situações específicas uma empresa rural, que não preste serviços a terceiros, seria detentora do incentivo fiscal referido no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.382/74, no caso de figurar como outorgada em contrato de parceria rural.

8.1 Ao que nos parece, para que haja o benefício fiscal mencionado, dando-se a hipótese de parceria rural de que trata, será preciso que se verifique a substituição do produtor (no caso, parceiro-outorgante) pela empresa (parceira-outorgada) em todos os encargos que normalmente caberiam a ele, produtor, tais como os de arar a terra, cultivá-la, cuidar das plantações, até que se complete o ciclo produtivo da espécie vegetal plantada. Tratando-se de árvores para corte, até que estas estejam em condições de serem abatidas e seccionadas.

8.2 Isto posto, entendemos que os lucros resultantes da venda de toras de árvores plantadas em terrenos objeto de parceria rural somente serão beneficiados pela tributação reduzida de que trata o Decreto-Lei nº 1.382, de 26/12/74, se referidas toras se originarem:

a) de árvores plantadas pelas empresas agrícolas, nestas terras; e/ou

b) de árvores recebidas dos parceiros-outorgantes em fase de formação e, a partir daí, alvo de cuidados próprios por parte das empresas outorgadas, até a formação final das florestas de que tais árvores façam parte.

8.3 Em sentido contrário, não se beneficiam do favor fiscal já mencionado as empresas que fizerem objeto de contratos de parceria rural florestas em ponto de corte, pode tal fato configuraria mera intermediação com vistas à venda de produto já pronto para consumo ou utilização industrial.

9. Tendo em vista o entendimento consubstanciado no item 6 do Parecer Normativo CST nº 145/75, um contrato de parceria firmado nas condições descritas no subitem 8.3 traria como conseqüência, para a empresa outorgada, a afetação das atividades típicas de agricultura e a decorrente perda do favor fiscal de que a empresa seja detentora.

10. Entretanto, como algumas espécies de árvores rebrotam após cortadas, proporcionando ao todo até três cortes, como é o caso do eucalipto, poderá o contrato de parceria ser celebrado mesmo às vésperas de um dos abates sem que a empresa outorgada perca o benefício da tributação mais favorecida, desde que tenha por objeto a exploração agrícola do empreendimento até, pelo menos, a ocasião do corte seguinte.

Aristeu Bernardes Filho - Fiscal de Tributos Federais
Jimir S. Doniak - Coordenador do Sistema de Tributação

Fonte: Revista Jurídica Netlegis, 10 de Dezembro de 2010.